Para alguns, Romero se tornou um velho gagá. Para outros, continua mestre do terror americano. Acho que está mais para uma mistura das duas coisas. O importante é que o sujeito está aí apresentando seu sexto filme de zumbis, SURVIVAL OF THE DEAD, e se não possui mais a mesma força inventiva da trilogia original (e realmente não possui), ao menos cada filme seu é uma revelação cujos impulsos criativos provam que o velho diretor ainda encontra-se sóbrio em relação ao seu cinema.
Em SURVIVAL, Romero utiliza pela primeira vez um personagem de um trabalho anterior para fazer uma ligação direta entre os filmes. No caso, o líder de um esquadrão do exército que apareceu rapidamente em DIÁRIO DOS MORTOS roubando o trailer dos jovens protagonistas que filmavam tudo com suas câmeras. Mas desta vez ele oferece uma opção visual convencional, substituindo a representação documental.
A trama ocorre seis dias após o surgimento dos zumbis em DIÁRIO. O cenário é uma ilha onde duas famílias proeminentes estão em conflito em relação à maneira de lidar com a epidemia dos mortos vivos. Os O’Flynns não toleram os zumbis e acreditam que devem ser exterminados sem piedade. Já o clã dos Muldoons pensa que um dia haverá uma cura e, enquanto isso, os zumbis podem ser domesticados e até mesmo alimentados com algo que não seja carne humana. Procurando um lugar para ficar em paz, o esquadrão acaba entrando no meio desta confusão.
Todos nós sabemos que os filmes de zumbis de Romero são, acima de tudo, metáforas que apontam críticas e reflexões sociais. Particularmente, acho que em SURVIVAL, o diretor não teve muito o que dizer ou não soube explorar essas idéias ou eu que tenho o QI de uma anta, o que é mais provável. Claro que há os militares e os personagens irlandeses da ilha cujas presenças possuem valor simbólico, como o próprio diretor afirma em entrevistas. Mas é pouco em comparação à substancial primeira trilogia.
Como filme B de zumbi isolado e sem grandes pretensões, não tenho do que reclamar. SURVIVAL é divertido pacas, possui bastante cenas de ação, muitos zumbis levando chumbo na cabeça, um bocado de gore e muito sangue (grande parte em CGI, infelizmente, mas já cansei de me preocupar com isso). Há um certo tom de humor que nem sempre se encaixa, mas também não me incomoda. Se por um lado Romero já não possui aquele vigor com circunstâncias sociais, como cineasta continua em plena forma, brincando com composições visuais estilísticas, algumas delas inspiradas no western, como no belo plano final.
Talvez eu esteja gostando do filme pelos motivos errados de novo, sendo tolerante demais e sem frescuras com alguns detalhes tortos, assim como em A ILHA DO MEDO. O que vejo aqui é um velhinho brincando de cinema de terror, com seus mortos vivos que já não assustam ninguém, sem a mesma grandeza e aspirações de outrora, mas ainda sobra para o espectador um passatempo fílmico de ótima qualidade. E no contexto do cinema de horror atual, isso é muita coisa!
Deixem o Romero em paz. Ele está envelhecendo com dignidade e elegância, como Chabrol e Altman.
ResponderExcluirMas eu gostei do filme. ;)
ResponderExcluirEu achei o filme do caralho, gostei mesmo, me empolguei e assisti com um sorriso na cara. E se for pra encontrar algum tema "oculto" dessa vez, talvez seja o da religião (pelo comportamento do líder do clã Muldoon).
ResponderExcluirPara mim, Romero usa o filme para discutir autoritarismo e, de uma certa forma, até religião, crença, fé. Posso estar viajando, mas acho que o velhinho está afiado de novo. Não gostei de "Diário dos Mortos", acho que a crítica à paixão pelo registro, pela imagem é bem primária.
ResponderExcluirAutoritarismo foi melhor explorado em Dia dos Mortos, mas é um ponto discutido aqui sim, com certeza. Ah, e Religião, claro!
ResponderExcluirGosto muito de Diário, tanto como um zombie movie divertido quanto o comentário que Romero faz a respeito da crise das informações, da necessidade do registro. Não vejo como primária, mas com um tom intencionalmente artificial das encenações, mesmo usando uma linguagem que geralmente tem resultados realistas, etc...
Diário também brinca com o próprio gênero horror, com aquele começo que faz um link com o fim, da menina correndo nua pela floresta, fugindo de seu algoz. Achei aquilo bem legal. Mas Survival é o meu predileto da nova trilogia!
ResponderExcluirAcho que da nova trilogia meu preferido é o Land of the Dead... mas Survival vem bem perto.
ResponderExcluirGosto mais do "Díario" do que do "Survival". Mas concordo com as palavras do Chico.
ResponderExcluirRonald, minha bronca foi com quem acha que o Romero está gagá. O mesmo vale para quem desdenha do Argento.
Gosto mais de Terra dos Mortos e Diario dos Mortos do que dos antigos, Dia dos Mortos e A Noite dos mortos vive.
ResponderExcluirps: Dawn of the Dead eu não vi hihihihi maior vergonha.
Dawm of the Dead é a obra-prima do mestre Romero.
ResponderExcluirVou vê-lo, tal como todos os outros anteriores. Não me interessa tanto se está ultrapassado ou não.
ResponderExcluirBah, to nem aí. Sou fã do Georgie.
ResponderExcluirPreciso ver esse.
E ainda acho o "Terra dos Mortos" digno de ficar lado a lado com o "Dia dos Mortos".
Assisti. Engulo minhas palavras de pré-defesa ao filme.
ResponderExcluirO problema de fazer leituras políticas no Romero é que os questionamentos políticos dele são muito ingênuos. Não tiro valor disso, pois as vezes isso é exatamente o que torna tão atraente uma boa mensagem. A ingenuidade leva a não considerar as complexidades das questões, então tudo se torna muito simples e por conseqüência acessível.
O problema é quando a mensagem, extremamente primárira, toma prioridade a qualidade cinematográfica de composição, montagem. Creio que tem muito a ver com a mutação tremenda que o cinema teve nesses últimos 20 anos. Deixou de ser uma arte dura, de montagem física e química, mais ligada a pintura, para se tornar uma arte que ao invés de tentar achar a perfeição musical através de produtos químicos é uma composição de imagens até em termos técnicos, através dos programas digitais de edição, efeitos 3D, composição, correção de cores. Alguns diretores simplesmente não estão sabendo lidar com isso, pois torna o trabalho mais complexo e desafiador ao invés de simplificá-lo como seria a idéia, pois a prática e as possibilidades tomam o lugar do pensamento calculado e a procura da simplicidade na realização. Poder colocar efeitos digitais de sangue e gore, em geral, não é em si um conceito ruim, mas prejudica a realidade de um filme que se predispõe brutal. O mesmo acontece com as composições de imagem (o plano final vai me dar pesadelos por alguns anos) que são ruins, sem criatividade. Não são realistas e não têm a imaginação de um Bava para justificar a artificialidade.
Uma coisa que achei interessante foi a mulher sobre o cavalo, pois é uma imagem poética e que até certo ponto faz sentido dentro do universo criado pelo Romero. Saindo-se do pressuposto que ela foi mordida sobre o cavalo, sua última atividade motora foi cavalgar, então é a lembrança mais próxima que a criatura tem, no momento. O problema é que progressivamente, suas articulações vão enrijecendo e daí que a porca torce o rabo. Mas é uma idéia com possibilidades de poesia que é muito pouco utilizada.
Concordo com você em muitos pontos e isso vale pra muita gente. No caso Romero, tirando o lance do sangue e alguns efeitos em CGI, não acho que sua noção de cinema, composições de imagens, etc, esteja sendo prejudicada por causa desse "mal da atualidade". Claro que ele não é o mesmo de 20 anos atrás, mas concordo com o Leandro quando diz que o Romero esteja envelhecendo com dignidade e elegância. Seu cinema parece acompanhar isso também. Essa é uma opinião particular de alguém que está satisfeito com o cinema que o velho Romero está fazendo atualmente. Mesmo assim, se eu tivesse alguma forma de poder, diria ao Romero para fazer outros tipos de filmes que não tivessem zumbis. Acho que faria um bem danado a ele...
ResponderExcluiro Davi tá parecendo o Chaplin, que ficou indignado quando o cinema passou do mudo para o sonoro
ResponderExcluir>diria ao Romero para fazer outros tipos de filmes que não tivessem zumbis. Acho que faria um bem danado a ele...
ResponderExcluirNão depende só dele. O velhinho tem uma coleção de projetos que naufragaram.
Mas eu não estou reclamando da tecnologia, sim do seu uso, Herax. E o Chaplin depois fez belos filmes sonoros. Alguns dos seus melhores, na verdade. O que eu falo não é nem de a tecnologia ser prejudicial. Pelo contrário, acho que realmente permite agora se trabalhar o cinema de uma forma orgânica e muito mais próxima da música. No mais, desculpem meus erros de português. Sempre escrevo muito na "preça" e sou burro, então fica tudo uma merda.
ResponderExcluirO Romero só estar fazendo filmes de zumbis é por questões econômicas. São os únicos filmes dele que fazem dinheiro, infelizmente (a exceção é "Creepshow"). Sempre que ele tenta fazer algo fora desse sub-gênero ele se dá mal financeiramente ("A Metade Negra", "Cavaleiros de Aço") e projetos ambiciosos como "A Múmia", via estúdio Universal, e "A Dança da Morte" nunca decolaram. Poderiam ser os projetos a colocar o Romero na mainstream. Alguém conhece boa literatura sobre o bom velhinho?
Livro de entrevistas ou biografia? Estes dias encontrei uma bio do Raimi, pelo Muir. Alguém sabe se vale a pena?
Davi, na verdade voce se expressou bem, e eu entendi que voce se referia ao uso e não a tecnologia em si, porém, mesmo com o vovô Romero não sabendo usar essa nova tecnologia adequadamente, eu sinto a sua força no filme, o seu estilo, a sua visão de mundo, enfim, eu sinto o Romero (sem viadagens!) em cada cena do filme. Sendo ou não um Romero perdido, não me importou em nenhum momento.
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