23.9.13

TRANCERS (1985)


Fazia tempo que eu estava querendo postar alguma coisa sobre este pequeno, mas fantástico, sci-fi movie oitentista que marcou de maneira profunda a minha formação cinéfila, deixando sequelas irreparáveis no meu mau gosto pra filmes quando eu ainda era moleque no fim dos anos oitenta. TRANCERS, que gerou mais cinco filmes depois deste aqui, combina duas das melhores coisas do universo dos filmes B daquele período: o ator Tim Thomerson e o diretor Charles Band com sua produtora Full Moon. Quando esse dois mundos colidem, as possibilidades são infinitas. E nesse caso, o resultado é um pequeno clássico do cinema fantástico independente.

TRANCERS começa em algum lugar no futuro. O herói Jack Deth (Thomerson) adentra uma cafeteria à procura de café e de alguns... Trancers. A cafeteria possui tanto neón que parece tirada de um cenário de BLADE RUNNER. Trancers são pessoas, digamos, possuídas, sob controle mental de um sujeito chamado Martin Whistler (Michael Stefani). Eles agem normalmente até que são descobertos e se revelam como zumbis loucos psicopatas querendo destruir tudo e a todos a sua volta. Bem, é exatamente isso que acontece na cafeteria e Jack precisa agir com seu revólver em punho, pois o sujeito é um policial e seu trabalho é justamente exterminar essas criaturas.


Após uma investigação aprofundada, Jack descobre que o bandido está foragido e o que o separa do herói não é apenas a distância, mas também o tempo. Em outras palavras, o sujeito foi parar em 1985, no passado. O incansável Jack não vê problemas nisso e resolve ir atrás de Whistler antes que os habitantes daquela época sejam transformados em Trancers. Chegando lá, encontra uma Helen Hunt em início de carreira pagando mico nesta produção classe B, que ajuda o pobre Jack em sua busca (aliás, a ganhadora do Óscar de melhor atriz também participou das duas próximas continuação de TRANCERS, já nos anos 90). Isso tudo acontece nos primeiros vinte minutos de duração. O resto é gasto com Jack e sua "parceira" caçando Trancers e Whistler de várias maneiras possíveis...


Uma das grandes provilégios de assistir a TRANCERS é poder acompanhar o ator Tim Thomerson como  protagonista de um filme só seu - algo relativamente raro - agindo, atirando, fazendo caras de poucos amigos, soltando frases de efeito a cada cinco minutos, numa espécie de "Dirty" Harry do futuro... É o melhor trabalho da carreira de Thomerson, junto, claro, com DOLLMAN, geralmente marcada por papéis menores. Uma pena que seja tão subestimado, nunca teve muita oportunidade de demonstrar seu talento em filmes maiores. Acabou se dedicando - com extrema competência, diga-se de passagem - a fazer filmes dirigidos pelo Albert Pyun e produzidos pela Full Moon... Sorte nossa e azar do público "normal", que não preza pelas verdadeiras obras de arte do cinema. Como TRANCERS, por exemplo... hehehe!


Mas, atenção! O filme é todo perdido na sua lógica de viagem do tempo, o roteiro é tão imprudente com isso que Jack Deth teria feito o Doc Brown de DE VOLTA PARA O FUTURO ter um ataque cardíaco em menos de dez minutos. E quem ficar se preocupando com esse tipo de detalhe corre sérios riscos de ganhar uma úlcera no estômago. O negócio é relaxar e aproveitar os vários outros atrativos que o decorrer da aventura nos apresenta. Os efeitos especiais, por exemplo, totalmente retrôs, com raios lases e luzes brilhantes, um espetáculo de efeitos old school e muito brega. O que nos faz amar ainda mais essa belezinha!

TRANCERS é altamente recomendado. O ritmo de aventura não pára nem um minuto, a ação é exagerada e engraçada, a trilha sonora oitentista é incrível e a atitude bad ass de Thomerson nunca cessa... e há ainda viagens no tempo! Quer mais diversão que isso?

OBITUÁRIO



JOSÉ RAMON LARRAZ
(1929 - 2013)



 RICHARD C. SARAFIAN 
(1930 - 2013)

18.9.13

ENTREGA MORTAL (The Package, 2013)


Quando temos um filme de ação estrelado por Dolph Lundgren e Steve Austin não é preciso dizer mais nada para me convencer a assistir. Principalmente se o diretor for o britânico Jesse V. Johnson, um dos mais talentosos quando se trata do cinema de ação direct to video, ao lado de uns cabras da pesada como Isaac Florentine e John Hyams. Seria difícil, portanto, THE PACKAGE, que possui todos esses requisitos, dar errado, certo? Pois bem, o que temos aqui passa longe de ser um filme ruim, mas infelizmente não consegue atingir todo o potencial que se espera.

O roteiro de THE PACKAGE não é nenhum primor, nem pretende ganhar um Óscar, mas é efetivo naquilo que se propõe. Tommy Wick (Austin) trabalha como cobrador para uma agiota e de vez em quando precisa utilizar a força bruta para lidar com a clientela. Wick não vê a hora de largar esse tipo de serviço, mas todo seu trabalho serve para compensar uma divida que seu irmão (Lochlyn Munro) possui com o patrão. Uma missão diferente e derradeira lhe espera dessa vez. Seu chefe lhe pede para que leve um pacote a um mafioso de outra cidade conhecido como the German, ou "o Alemão", traduzindo para o nosso querido português, encarnado pelo Dolph Lundgren. O problema é que outras pessoas nada amigáveis (e armadas até os dentes) também querem o tal pacote.


Para quem acompanha os últimos trabalhos do diretor dublê Jesse V. Johnson, vai perceber pelo enredo que este tipo de filme não é o seu habitual. Tanto THE BUTCHER quanto CHARLIE VALENTINE são exemplares mais pessoais, sérios e intimistas, focados nos conflitos dos personagens, filmados com uma elegância à moda antiga. Já THE PACKAGE está mais para um genérico filmeco de ação que não passa de entretenimento descartável. Para nós, fãs desse tipo de material, a diversão é garantida, mas por ser dirigido por sujeito do calibre do Johnson, fica a sensação de que faltou a classe e expressividade que se imaginava... É óbvio que com uma trama dessas não dá pra exigir muito. Não é um projeto que o Johnson morreria de amores e com certeza só o fez para pegar o cheque e pagar as contas do mês. Agora, como já disse, é entretenimento dos bons para os ávidos fãs de um action movie bad ass de baixo orçamento e poucas pretensões.

Especialmente com a dupla de brutamontes que temos aqui. Steve Austin ganha mais destaque, é por ele que acompanhamos grande parte da narrativa. Austin vem construindo uma boa carreira como herói de ação, embora não seja lá um talento para a dramaticidade. O sujeito conquista é pelo carisma e pela presença em cenas mais movimentadas. Aqui não é diferente. No entanto, quando a história passa para o lado do Dolph, o filme cresce absurdamente. Ele é o cara e seu personagem, o Alemão, é tão destruidor que ficamos frustrados por tê-lo menos em cena que o Steve Austin. Não aproveitar tanto o Dolph e sua persona acaba sendo outro equivoco de THE PACKAGE...


Mas vamos falar das sequências de ação, para não parecer que eu estou detonando THE PACKAGE. Porque é neste departamento que o filme diz a que veio e reserva alguns dos seus melhores momentos, com boa dose de tiroteios e algumas sequências de luta interessantes. Nada de encher os olhos, mas funcionam bem para o que temos aqui. A cena em que Dolph detona uma gangue inteira com uma Tommy Gunn é um prato cheio para os fãs do ator. É preciso destacar também o confronto brutal entre Austin e Jerry Trimble, que tem um pequeno papel como capanga de luxo. E claro, há ainda o aguardado final Austin vs Dolph, depois de umas reviravoltas cretinas do roteiro que coloca um contra o outro. Esse embate poderia ser mais elaborado, mas aposto que o orçamento estava apertando e tiveram que correr com as filmagens... O resultado dá pro gasto, mas mais uma vez fica a pontinha de desapontamento.

O roteiro foi escrito por Derek Kolstad, que concebeu também ONE IN THE CHAMBER, de William Kaufman, veículo de ação do Cuba Gooding Jr e que também possui o bom e velho Dolph marcando presença. Preciso comentar sobre este em algum momento, mas adianto que sofre do mesmo mal de THE PACKAGE. Dolph aparece bem menos em cena e mesmo assim está lá em cima, num patamar que Gooding Jr. não consegue atingir. A diferença é que em THE PACKAGE o personagem de Steve Austin também é casca grossa, algo que o Gooding Jr não consegue ser, embora eu goste do trabalho dele em outras produções do gênero. Ambos, no fim das contas, acabam sendo sólidos filmes de ação direct to video, mas este aqui é bem melhor. Foi lançado no Brasil com o título ENTREGA MORTAL.

Steve Austin e Jerry Trimble após as filmagens de porradaria...

10.9.13

A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM

Aos fiéis frequentadores do recinto, devo-lhes informar que minhas férias em território tupiniquim acabaram. Foram dois meses de descanso, andei escrevendo bastante por aqui, atualizando com boa frequência a página do blog no facebook, mas agora preciso retornar a Portugal para concluir meu último ano de mestrado. Portanto, algumas coisas da vida precisarão estar em segundo plano e, infelizmente, o blog é uma delas.

Isso não quer dizer que vou abandonar o Dementia¹³ de vez nos próximos doze meses. De maneira alguma. O tempo será escasso, mas sempre que sobrar algumas horinhas livres e disposição, coloco algumas breves impressões de coisas que eventualmente assistirei... por exemplo, este mês temos o lançamento de ESCAPE PLAN, estrelado por alguns dos meus favoritos action heroes, Stallone e Arnoldão.

Enfim, fiquem na paz, assistam a bons filmes (e também os de mau gosto), escovem bem os dentes e até breve.


8.9.13

O ANO DO DRAGÃO (Year of the Dragon, 1985)


Fui intimado por um fiel leitor, que se apresenta apenas como Jorge, a escrever sobre O ANO DO DRAGÃO, do Michael Cimino. Então cá estamos. Só havia assistido uma única vez há muitos anos e desde então ficara marcado na minha memória como um dos grandes exemplares do gênero policial dos anos 80. Revisitei-o esta semana e me descobri diante de algo muito maior, uma obra cinematográfica poderosíssima em todos os sentidos possíveis. Já imaginava que isso fosse acontecer. O cinema de Cimino é grande e, numa revisão, O ANO DO DRAGÃO só poderia resultar em mais de duas horas de encantamento cinéfilo. Quem ainda tem dúvidas de que Cimino foi (ou "é", já que não morreu ainda, embora não realize um longa há quase vinte anos) um dos maiores cineastas americanos da história precisa olhar seu trabalho mais de perto...


A excelência do roteiro do próprio Cimino (em parceria com Oliver Stone) em O ANO DO DRAGÃO é inegável e possui muito do repertório temático presente na carreira do homem, como a América traumatizada pela tragédia que foi o Vietnã, a obsessão precisa por celebrações, o cuidado nos mínimos detalhes com os personagens, por exemplo, o protagonista, o capitão da polícia Stanley White, encarnado por Mickey Rourke. Um ex-combatente do Vietnã que transforma as ruas de Chinatown num autêntico campo de guerra contra a máfia chinesa. O papel foi oferecido para Nick Nolte e Jeff Bridges, mas após assistir a THE POPE OF GREENWICH VILLAGE, Cimino achou o ator perfeito para seu filme.

E é realmente difícil enxergar outro sujeito no lugar de Rourke, que conseguiu compor um retrato complexo e expressivo para o seu personagem. Um herói com profundas convicções em relação ao seu trabalho, mas bruto no trato com a bandidagem, capaz de ultrapassar os limites da ética profissional quando a missão é prender meliantes, além de ser um tremendo canalha com as pessoas ao seu redor. Não tenho receio em dizer que se trata do grande desempenho da carreira de Rourke. O elenco ainda tem John Lone, como a principal pedra no sapato do protagonista, Victor Wong, Raymond J. Barry e Ariane, uma modelo de traços orientais que tentou virar atriz... Ela é fraca, mas sua atuação não compromete. Alguns anos depois tentou novamente e apareceu em O REI DE NOVA YORK (90), do Abel Ferrara.


O ANO DO DRAGÃO é o primeiro filme de Cimino após o fiasco comercial de O PORTAL DO PARAÍSO, que resultou na falência da produtora United Artists, mas que gerou uma das mais impressionantes obras primas que o cinema foi capaz de criar. Aparentemente, este aqui possui pretensões mais modestas, preso às convenções do gênero policial, mas acompanhar o desenrolar da trama e a evolução do personagem de Rourke é contemplar a visão de mundo de um artista subestimado, mas simplesmente genial, e sua fascinação pela técnica cinematográfica, mantendo o filme num nível de qualidade altíssimo. Basta ao espectador ficar observando a composição dos inúmeros planos, a gestão dos espaços cênicos e a maneira virtuosa como Cimino movimenta a câmera durante todo o filme para ficar hipnotizado, além de se ter a medida exata do talento sobrepujante do último dos mavericks. Nisso inclui, claro, belas e violentas sequências de ação. Ainda prefiro VIVER E MORRER EM LA, de William Friedkin, como o grande filme policial daquele período. Mas O ANO DO DRAGÃO é um páreo duríssimo e não fica muito atrás.

3.9.13

KILLING SPREE (1987)


Tim Ritter iniciou bem cedo a profissão de fazedor de filmes de horror. Mal entrou na puberdade, filmando com uma super-8, e os professores já passavam suas obras em sala de aula e os alunos babavam vidrados para conferir as cheerleaders da escola sendo toscamente assassinadas. Autêntico desbravador do cinema caseiro, a coisa foi ficando séria e com menos de vinte anos, Ritter já possuia uma filmografia com vários pequenos homemovies de horror, como DAY OF THE REAPER, e pelo menos um longa que virou clássico do slasher oitentista, TRUTH OR DARE? A CRITICAL MADNESS (de 1986, filmado em 16mm), que lhe deu a oportunidade de dar um passo mais adiante na carreira. E é aí que chegamos em KILLING SPREE, a obra prima de Ritter.


Mas não pensem que o tal "passo adiante" signifique mais dinheiro. TRUTH OR DARE? transformou a vida de Ritter num inferno por conta dos produtores e o sujeito teve que batalhar muito para ter seu nome creditado como roteirista e diretor. KILLING SPREE significa independência para Ritter. Também é um projeto de 16mm e custou algo em torno de 75 mil dólares conseguidos com investidores locais (muito menos que o seu filme anterior). É um valor bem baixo, na verdade. Só pra ter uma noção, filmes de horror considerados de baixíssimos orçamentos, como O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, de Tobe Hooper, e THE LAST HOUSE ON THE LEFT, do Wes Craven, realizados quinze anos antes, foram mais caros que KILLING SPREE. Mas só de ficar sem produtores fungando o cangote já valeria a pena...

Essas duas questões refletem bastante o que é KILLING SPREE. Um filme pobre visualmente, com estética de microbudget, mas com uma liberdade criativa delirante bem próxima do que um Lucio Fulci fazia, por exemplo. E não pára por aí...


A trama é sobre Tom Russo, um sujeito meio abitolado e deveras ciumento com sua esposa. Quando descobre um diário no qual sua mulher narra umas "puladas de cerca" com o seu melhor amigo, o encanador, o entregador, o reparador, o instalador, e por aí vai, Russo desparafusa de vez e decide matar cada possível amante com requintes de crueldade, com direito a torturas, mutilações e mortes criativas com todo o tipo de parafernalha pontiaguda e cortante. Até aí tudo bem, o negócio é que quanto mais a insanidade do protagonista aumenta, mais a narrativa perde o pé da razão, até chegar num ponto onde não sabemos o que é real e o que é fantasia da cabeça do pobre Russo. E quando finalmente ficamos sabendo, KILLING SPREE já chutou o balde com qualquer possibilidade plausível e fodeu a mente do espectador. Ou vai me dizer que dá para ficar indiferente diante disso?:


Um dos destaques da obra é o trabalho de efeitos especiais que, apesar das restrições orçamentárias, os realizadores investiram bastante para criar sequências de extrema violência gráfica que mexessem com o público. O filme é um espetáculo gore, com muitas tripas, membros decepados e um derramamento de sangue que causou até problemas para Ritter. É que a casa utilizada no transcorrer da história pertencia ao amigo do diretor, e também um dos produtores do filme, Al Nicolosi, que não ficou muito satisfeito ao ver a sujeira do sangue falso em cima dos móveis, paredes, carpetes e resolveu expulsar toda a equipe de produção no meio das filmagens!!! Ritter teve que prometer que entregaria a casa de volta totalmente limpa para que o sujeito permitisse que continuassem o trabalho. Isso gerou um grande mal estar entre eles... Mas no fim das contas, a quantidade de sangue e vísceras espalhadas pelo chão consegue cumprir sua função.


Tanto que eu nem senti muita falta de um detalhe quase sempre presente nesse tipo de produção: peitos de fora. Aí eu chamo a atenção para o elenco de KILLING SPREE, que possui uma gata estonteante, Coutney Lercara, em momentos sensuais, que imploram por uma nudez gratuita, mas que infelizmente não mostra muita coisa. No entanto, o foco mesmo acaba sendo o protagonista. O nome dele precisa ser escrito em negrito e caixa alta: ASBESTOS FELT. Isso mesmo, seu nome é Asbestos... Asbestos! Só por esse nome eu já virei fã do sujeito. E Asbestos só estrelou este filme aqui na vida (fez pequenas participações em outros), mas manda muito bem! É um péssimo ator, mas para esse tipo de filme é simplesmente perfeito! Asbestos é exagerado, canastrão e visualmente cômico. Há uma cena em que aparece só de cuecas passando o aspirador de pó que é de uma genialidade subversiva!


Aliás, o filme é cheio de sacadas da mais pura genialidade, como a presença de Joel D. Wyncoop, the king of B movies, fiel colaborador de Tim Ritter, fazendo uma ponta como o cara que conserta televisão e luta karate. E a diversão não para em momento algum em KILLING SPREE. É desses filmes intensos que não deixa passar muito tempo sem que o espectador seja surpreendido com algum toque criativo, uma gag bem humorada, soluções espertas, algum personagem interessante que surge em cena ou com o festival splatter que o filme promove. Simplesmente delicioso. Mas só para paladares finos, afccionados por uma boa tralha e fãs do Asbestos.