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17.7.25

LARRY COHEN

 

Cinema B, paranoia urbana e crítica social

Passei os meses de março e abril deste ano fazendo uma peregrinação pessoal pelo cinema de Larry Cohen (apenas como diretor, se fosse como roteirista também, tava até hoje maratonando), algo que recomendo imensamente não apenas aos fãs de filmes de horror ou exploitation, mas a qualquer um realmente interessado em CINEMA.

Uma confirmação óbvia: Cohen foi um dos grandes nomes do cinema americano, com um talento descomunal em transformar limitações orçamentárias em força criativa. E repito: um dos grandes diretores não só de cinema de gênero, não só como independente e marginal, mas um nome a ser colocado ao lado de gente grande da sua geração, como Carpenter, De Palma, Flynn, Milius, Cimino e por aí vai.

Cohen sempre foi um autor subestimado, que transita entre gêneros fazendo comentários precisos sobre o estado das coisas, sobre o sistema, tratando de temas existenciais, filmes cuja superfície parecem um exemplar corriqueiro de um gênero qualquer, mas que de repente examina os pesadelos do consumismo, como em A COISA (The Stuff, 1985), ou o caos da paranoia urbana num filme de monstro como Q - A SERPENTE ALADA (Q, 1982). Apresenta arquétipos de personagens do mundo real sendo lançados em horrores maiores que a vida, uma habilidade que Cohen sempre executa com perfeição.

Não vou comentar aqui cada filme do sujeito porque a intenção não é deixar esse texto maior do que já vai estar. Quem tiver interesse pode dar uma olhada no meu perfil no Letterboxd, onde fiz comentários à medida em que ia conferindo cada filme. Aproveita e me segue por lá. Ou pra quem acompanha o meu Instagram de filmes, estou sempre atualizando por lá também (bons tempos em que tudo ficava concentrado em um só lugar. Hoje, para as pessoas te lerem não basta ter um blog, você tem que ter um blog, Twitter, Instagram, Facebook, Threads, Substack, Letterboxd e não sei mais o que… Mas tudo bem).

Por falar em mais dicas de leituras e Larry Cohen, no blog tem dois textinhos que acho até bem decentes sobre O CHEFÃO DE NOVA YORK (Black Caesar, 1973) e FOI DEUS QUE MANDOU (God Told Me To, 1976). Por hora, quero registrar uns três ou quatro destaques dessa peregrinação recente pelo cinema do Cohen.

Deixando de lado um pouco os filmes mais óbvios, é a segunda vez que assisto THE PRIVATE FILES OF J. EDGAR HOOVER (1977), que no Brasil saiu em VHS com o título F.B.I. ARQUIVOS SECRETOS. Retrato fragmentado da vida de J. Edgar Hoover, desde a ascensão à paranoia do homem que transformou o FBI numa extensão de suas obsessões pessoais até a sua morte. Cohen filma tudo com um olhar quase documental, expondo o jogo sujo de décadas de manipulação e chantagens dentro do governo americano. Broderick Crawford encarna Hoover com uma rigidez impenetrável, enquanto o filme desmonta o mito do "grande defensor da lei", revelando um homem movido por medo, poder e cheio de questões sobre sua sexualidade que Cohen não tem receio algum de abordar. Ou seja, filmaço.

O prpósito de transformar Hoover num homem complexo, sem tomar partido, não agradou muito o público americano. Nas trivias do imdb, tem uma declaração do Cohen que ressalta bem o tipo de diretor que ele era:

"Esse foi o problema que tivemos com o filme nos Estados Unidos. Os republicanos não gostaram e os democratas também não gostaram, porque mostramos o lado sombrio dos dois partidos políticos e de todos os presidentes. Ambos ficaram igualmente incomodados, então condenaram o filme. (…) eu sabia, desde o início, que o filme seria polêmico. Não era o que as pessoas queriam ver. Quando fizemos uma pré-estreia do filme no Kennedy Center, em Washington DC, ele enfureceu todos os senadores e deputados que compareceram — o que, acho, era exatamente o que eu queria fazer desde o começo: causar encrenca."

E Cohen ainda faz questão de manter-se fiel à sua veia mais vulgar, mais pulp, de criador de imagens exploitation, não se inibindo em mostrar violência, filmando tiroteios daquele jeito cru e sem concessões, mesmo trocando aqui o horror e a fantasia por um registro mais "realista".

INOCÊNCIA FATAL (Perfect Strangers, 1984) não tá nem entre os melhores do diretor, mas foi tanto uma grata surpresa quanto uma esquisitice que só poderia sair da mente de Cohen. Eu nunca tinha assistido.

Um matador de aluguel da máfia italiana (Brad Rijn, que aparece em vários trabalhos de Cohen) precisa eliminar a única testemunha de um assassinato que ele cometeu: um garotinho de dois anos. As coisas complicam quando ele se envolve com a mãe da criança pra se aproximar deles, criando uma tensão entre afeto e violência.

O filme parte de uma premissa que poderia facilmente descambar para o ridículo, mas Cohen transforma tudo num thriller bem mais interessante do que eu tava esperando. E há o olhar ácido de Cohen sobre a sociedade, moralidade e o poder das relações manipuladoras.

E é legal que Cohen sempre arruma um jeito de inserir pequenas excentricidades e detalhes que dão mais dimensão aos seus personagens, como por exemplo o assassino marcar sua própria sombra nas paredes com spray, quase um ritual, uma assinatura bizarra que reforça e eterniza sua presença fantasmagórica na cidade, num mundo onde ele, ironicamente, precisa ser invisível.

Cohen tava inspirado nesse período, meados dos anos 80, vinha de alguns filmes menores no início da década, como O JOVEM LOBISOMEM (Full Moon High, 1981), e SEE CHINA AND DIE (1981) e de repente começou a emendar algumas pedradas: Q - A SERPENTE ALADA, esse INOCÊNCIA FATAL e ESPECIAIS EFEITOS (Special Effects, 1984).

Este último é um dos melhores e mais criativos trabalhos de Cohen. Um cineasta decadente (Eric Bogosian) filma um snuff movie: ele mesmo cometendo o assassinato de uma aspirante a atriz (Zoë Lund). E decide transformar isso em seu próximo grande projeto, até mesmo para apagar os rastros do crime. Escala uma sósia da vítima no papel principal e manipula todos ao seu redor como marionetes.

E Larry Cohen brinca com tudo isso de forma magistral, no ápice de seu apuro estético (um dos filmes mais bonitos visualmente do cinema americano do período) e domínio da linguagem, e usa todo esse conceito pulp da trama pra dissecar algo maior: o cinema como ferramenta de controle, voyeurismo e perversão da realidade. Entre thriller neo-noir e metalinguagem, o filme joga com a ideia de que a ficção e a vida real se misturam de forma perigosa.

Assim que eu terminei de ver ESPECIAL EFEITOS (aliás, título nacional um tanto equivocado), eu tinha batido o martelo de que se tratava do meu favorito do Cohen junto com FOI DEUS QUE MANDOU. Mas aí que tá a graça de fazer essas maratonas. Perceber os altos e baixos de um diretor e vê-lo se superando quando parece que não há nada melhor que possa fazer.

No caso de Cohen, ele ainda tinha A AMBULÂNCIA (The Ambulance, 1990). Um dos que mais ansiava rever. Já tinha assistido na adolescência e depois de adulto, lembro de gostar em cada conferida, mas já fazia uns bons anos que não revia. E foi quando veio outra confirmação: A AMBULÂNCIA é a obra-prima de Cohen. Não tem jeito. Um de seus trabalhos mais vigorosos, o filme que o diretor se preparou durante toda a carreira para entregar, em que canaliza a essência do cinema B num slasher conspiratório, iluminado por neon, que mistura paranoia urbana, o seu típico humor sarcástico e crítica ao sistema, numa trama que parece saída direta de uma HQ pulp dos anos 70.

Uma joia escondida que todo cinéfilo que se preze deveria descobrir. Para os admiradores de Larry Cohen, é o último grande esforço de um diretor que nunca aceitou os limites da lógica narrativa, nem as regras do bom gosto. E para quem vive num mundo onde a saúde virou mercadoria, onde as instituições parecem cada vez mais abstratas e distantes, o filme é uma fábula urbana, um espelho grotesco da realidade.

O filme começa com uma enxurrada de imagens. Calçadas e esquinas públicas ocupadas por um mar de anônimos vagando sem rumo, ombro a ombro, lembra bastante as cenas gravadas em modo guerrilha que Cohen fazia nos anos 70, como em O CHEFÃO DE NOVA YORK e FOI DEUS QUE MANDOU, em que atores contracenam com transeuntes que nem sabem que estão sendo filmados. E é um dos motivos pelos quais sequências introdutórias como essa nos filmes de Cohen, tão simples e banais, acabam sendo tão interessantes quanto as de ação/suspense que a trama do filme precisa preencher durante a narrativa. Os diálogos, a expressividade dos atores, o registro do diretor, dá vontade que o filme todo seja isso.

Eric Roberts, com esse belo mullet aí em cima que faria Jean-Claude Van Damme em O ALVO se morder de inveja, vive um desenhista da Marvel (o filme conta até com participação do próprio Stan Lee) metido a herói tentando descobrir por que uma ambulância retrô anda sequestrando pessoas nas ruas de Nova York.

Depois da belíssima introdução, com clima de comédia romântica, na qual Eric Roberts paga de galanteador pra cima da moça que ele gosta (e ela mesmo acaba sendo vítima da ambulância), a trama se estabelece. E a partir daí, Cohen assume o modo mestre de suspense, exibindo seu domínio do gênero com uma série de sequências eletrizantes ao longo do filme. E como se espera de Cohen, o que começa como um mistério se transforma em algo maior, um épico slasher-policial que revela conspirações governamentais diabólicas e uma paranoia sistêmica. Tanto o humor quanto os momentos de horror e tensão nascem de um dos maiores medos da sociedade americana: o sistema de saúde.

O ritmo é alucinante, o suspense funciona, imagens sombrias da metrópole se entrelaçam com ataques assustadores da ambulância, criando alguns dos momentos mais peculiares da carreira de Cohen, com a ambulância rasgando o trânsito, subindo calçada, atropelando tudo e todos. Um cenário que rende um certo humor visual, seja intencional ou não, mas que Cohen é autoconsciente o suficiente para que, ao mostrar uma ambulância tentando ferir alguém, ele realce a deliciosa ironia disso. E sem precisar em momento algum criar discursos óbvios e politicagem.

Sequências como, por exemplo, os momentos finais do policial vivido por James Earl Jones, mascando um chiclete como um espasmo post mortem, ou tudo que se passa na boate com a policial de Megan Malloy, estão entre as mais sublimes da carreira de Cohen. Se hoje eu atualizasse minha lista de 100 filmes favoritos de todos os tempos, e em algum momento este ano o farei, definitivamente A AMBULÂNCIA entraria em algum lugar com merecido destaque. Perfeição.

E mais nada a dizer sobre Larry Cohen. Apenas gênio demais. E deixo aqui o meu top 10 final oficial pessoal do diretor:

10. A VOLTA DO MONSTRO (It Lives Again, 1978)
09. BONE (1972)
08. A COISA (1985)
07. F.B.I ARQUIVO SECRETO (1978)
06. NASCE UM MONSTRO (It’s Alive, 1974)
05. O CHEFÃO DE NOVA YORK (1973)
04. Q - A SERPENTE ALADA (1983)
03. FOI DEUS QUE MANDOU (1976)
02. ESPECIAL EFEITOS (1984)
01. A AMBULÂNCIA (1990)

Originalmente publicado no Substack

16.3.13

IT'S ALIVE III - ISLAND OF THE ALIVE (1987)

O terceiro filme da série dos bebês monstros criado pelo genial Larry Cohen é considerado a ovelha negra. Lembro de ver pedaços dele passando no SBT já no final dos anos 90 com o título A ILHA DOS MONSTROS, mas não cheguei a ver tudo. Se os dois primeiros tinham a elegância do horror setentista, ISLAND OF THE ALIVE, realizado quase dez anos depois, possui um estilo mais escrachado do horror oitentista. Cohen foi capaz de levar a franquia em direções diferentes já no segundo filme, mas aqui ele chuta o balde de vez e expande o universo de IT’S ALIVE em possibilidades exageradas, engraçadas, dramáticas, mas sempre, claro, com muito sangue!

Michael Moriarty é o protagonista da vez, um ex-ator que não bate muito bem da cabeça e que, por uma ocasião do destino, é pai de um dos famigerados bebês monstrengos. O filme começa com ele implorando pela vida de seu “filho” diante de um tribunal, com direito ao monstrinho rosnando e marcando presença dentro de uma jaula. A essa altura, as criaturas não são mais exterminadas. Ficamos sabendo que agora são enviadas a uma ilha e deixadas lá para viverem de alguma maneira, isoladas.
Mas ao invés de focar ISLAND OF THE ALIVE na ilha propriamente dita, o roteiro de Larry Cohen foca mais no drama do personagem de Moriarty. O sujeito fica marcado por ser pai de uma aberração e sua vida e sanidade degringolam gradativamente. Não consegue se relacionar direito com as pessoas, por exemplo, especialmente com as mulheres, mais especificamente com sua ex-mulher e mãe da criatura, interpretada por Karen Black. E a cada situação, demonstra que está perdendo controle mental...

E estamos apenas começando. Na verdade, descrever a história seria um trabalho árduo, porque acontece coisa pra cacete por aqui e a maioria nem faz muito sentido. Em determinado momento, por exemplo, Moriarty acaba fazendo uma expedição com um grupo na ilha dos monstros, lá ele desparafusa de vez, a maioria dos integrantes acaba dilacerada, e o protagonista acaba no barco de volta para o continente levando como passageiros as caricaturas. Como é o pai de uma delas, ele não é atacado, mas em seguida é atirado ao mar e vai parar em Cuba e precisa arranjar uma forma de voltar aos EUA... ou seja, um caos! Mas é daquele tipo de filme que não para, uma sucessão de eventos cada um mais bizarro que o outro. Não teve como não se divertir!
E além dessa narrativa desgovernada, mas que de alguma maneira me absorveu do início ao fim, outra coisa que diferencia ISLAND OF THE ALIVE dos outros exemplares é que desta vez me peguei torcendo pelo protagonista e os monstros (alguns já crescidos e de do tamanho de um ser humano)! Me pareceu mais interessante vê-los soltos estraçalhando suas vítimas e se dando bem do que levando chumbo no final. Outro detalhe é que agora a movimentação dos monstros são em stop motion, nada do Rick Baker por aqui. Mas gostei, ganharam mais visibilidade também... embora perca aquele tom misterioso envoltos nas sombras dos dois primeiros filmes. Os monstros mais adultos são pessoas vestidas e maquiadas de maneira bem tosca... mas tem aquele charme do horror "trash" (detesto essa palavra, geralmente muito mal utilizada. Espero que entendam o sentido pelo qual estou utilizando aqui).

Apesar dos elogios, obviamente este aqui é o pior filme da série. Não por ser ruim, longe disso, me diverti à beça com essa bizarrice, mas porque os dois primeiros são realmente magníficos! Possuem uma abordagem que vão além do horror e refletem algumas questões bastante interessantes. E o máximo que ISLAND OF THE ALIVE consegue ser é um "filme de monstro". Mas dos bons!

15.3.13

IT LIVES AGAIN (1978)

O mais legal de IT LIVES AGAIN é que ao invés de requentar os elementos do filme anterior, o diretor e roteirista Larry Cohen realmente se empenhou para expandir ainda mais o universo dos bebês monstros que ele criou. É claro, temos novamente um casal na mesma situação que os Davis, do filme de 74, mas os desdobramentos são totalmente diferentes. A criatura, por exemplo, é logo capturado no momento em que nasce, colocado numa gaiola e levado para um centro de estudo secreto onde já se encontram dois exemplares da mesma espécie sendo estudados. Bem diferente do solitário bebê mutante solto pelas ruas fazendo suas vítimas, como no primeiro filme.

Agora, alguns detalhes o Cohen teve que manter para o prórpio bem do filme, como a acidez na qual tempera seu horror movie com um tom de análise moral de maneira ainda mais dramática que seu antecessor. E não é porque se passaram quatro anos entre um filme e outro que a situação financeira da produção melhorou. Cohen precisa mais uma vez demonstrar talento e criatividade para driblar o baixo orçamento. A forma como filma os bebês sempre serve como bom exemplo, enquadrando essas fofuras de relance, envoltos na escuridão criando uma nuance misteriosa e pertubadora. Estou falando, Cohen é um mestre do cinema de horror americano e eu não havia me dado conta ainda! Há até mais espaço para umas cenas com uma violência gráfica... belo trabalho de maquiagem e efeitos do Rick Baker.
John P. Ryan retorna com o seu personagem, Frank Davis, tendo agora a missão de alertar os casais que estão prestes a dar a luz a bebês mutantes. É o caso de Jody e Eugene Scott, encarnado pelo Frederic Forrest. Na trama, o governo está determinado a exterminar impiedosamente todos os monstros no momento em que são paridos, enquanto Davis trabalha para alguns cientistas e um deles vivido pelo grande Eddie Constantine, que tem a intenção de salvar e estudar as pobres criaturas.

Destaque para a excelente atuação do casal principal que protagoniza algumas discussões bem acaloradas e expressivas, afinal, não é todo dia que o filho tão esperado nasce mais feio que o Ronaldinho Gaúcho. E, claro, John P. Ryan, que regressa com um personagem muito mais interessante e dramático. Lá pelas tantas, quem retorna também é o James Dixon, que faz o detetive responsável pelo caso no primeiro filme. E é curioso porque é o único personagem que aparece nos três filmes da série. O grande John Marley também marca presença chefiando a operação do governo.
Em suma, IT LIVES AGAIN consegue manter o mesmo nível reflexivo, expande de maneira inteligente o universo do filme de 74 e ainda não deixa de ser horror atmosférico dos bons! No brasil, recebeu o título de A VOLTA DO MONSTRO. E como esqueci de falar no post do filme anterior, IT’S ALIVE é conhecido como NASCE UM MONSTRO. Clássicos! Em breve, o terceiro pra fechar.

14.3.13

IT'S ALIVE (1974)

Preciso voltar a escrever com mais frequência sobre filmes de horror. É um gênero que eu amo tanto quanto ação e tenho estagnado o blog apenas com este último gênero... não pode. Portanto, decidi tomar jeito na vida e encarar a trilogia do Larry Cohen, IT’S ALIVE, que nunca tinha visto, para tentar reativar esse lado aterrorizante adormecido. Assisti ao primeiro hoje e encontrei um autêntico clássico!

Com uma atmosfera magnífica e extremamente original, o título remete ao clássico FRANKENSTEIN, de 1931, onde o cientista Henry Frankenstein grita ao dar vida ao seu monstro “It’s Alive! It’s Alive!”. O protagonista deste aqui, Frank Davis (o ótimo John Ryan) comenta, em determinado momento, que quando era pequeno pensava que Frankenstein era o monstro, vivido por Boris Karloff... e quem nunca pensou isso na infância? Essa cena reflete um bocado a situação do personagem ao se sentir o próprio Frankenstein por ter criado, com sua esposa, um bebê monstruoso terrível (concebido pelo Rick Baker), dotado de dentes afiados e garras bem amoladas. A criatura mal deixa a barriga da mãe e massacra meia dúzia de médicos e enfermeiras. A cena acontece off screen, mas a maneira como o suspense é construído demonstra a maestria de quem entende da linguagem do cinema.
Logo depois, o bebê monstro foge do hospital e desaparece, tendo todo esquadrão da polícia em seu encalço e ainda alguns pesquisadores científicos interessados em estudá-lo. E é nesse cenário que o diretor e roteirista Larry Cohen explora alguns tópicos de seu interesse em IT’S ALIVE, lançando seu olhar sobre a família de classe média americana e seu comportamento diante de um fenômeno ligado ao fantástico, sem contar as alfinetadas na industria farmacêutica e suas imprudências, um provável responsável pelo surgimento do monstro. Há também alguns exageros cômicos na maneira de agir da polícia, especialmente quando um grupo de agentes da lei muito bem armados cercam o suspeito: um bebê fofinho tranquilão... É dessas cenas comprovam a genialidade de um diretor!

É preciso destacar o modo como Cohen vai brincando com esses temas, driblando a evidente falta de recurso, de maneira inteligente e reflexiva, sem ignorar os elementos do horror. Isso implica também na parte técnica, mas o sujeito consegue se sair bem até nesse aspecto. De acompanhamento musical estamos bem servidos: Bernard Herrmann (não me pergunte como conseguiram). E a forma como Cohen filma a criatura, por exemplo, sempre de relance, nas sombras, é outra estratégia interessante, aguça ainda mais o clima de horror e também a curiosidade do espectador, algo que foi totalmente destruído com a popularização do CGI em qualquer produção de fundo de quintal.

Sempre tive consciência da reputação de IT’S ALIVE. É merecida. Filmaço simplesmente perturbador e muito perspicaz! As continuações também são escritas e dirigidas pelo Cohen. Pelo que andei lendo por aí, o segundo mantém o nível, já o terceiro possui uma fama ruim. E como eu costuma gostar dessas ovelhas negras... Mas chegaremos lá!