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28.7.25

BULLITT (1968)

Não é de agora, mas há um tempo rolou a notícia de que o Spielberg talvez estivesse interessado em refilmar BULLITT com Bradley Cooper no papel título. Não sei a que pé anda essa informação e também não fui atrás pra saber. Mas lembrei disso esses dias e fiquei com vontade mesmo é de revisistar o clássico estrelado por Steve McQueen e dirigido pelo grande Peter Yates.

“Frank, we must all compromise.”
“Bullshit.”

BULLITT surgiu numa época em que um filme policial como esse ainda era possível ser relativamente inventivo e revolucionário dentro do gênero em Hollywood. E quando falo de um filme inventivo e revolucionário não tem absolutamente nada a ver com a famosa perseguição de carro, que de fato é uma das mais célebres da história do cinema. Quando falo de um filme inventivo e revolucionário está mais ligado à importância de BULLITT como influência para o cinema policial, tá mais ligado na construção narrativa do filme policial, da composição do personagem título e de certos detalhes que incluem, por exemplo, o diálogo citado acima, que marca a primeira vez que a palavra “bullshit” foi usada em um filme mainstream de Hollywood. Considere isso mais um marco na lista de conquistas de BULLITT.

O filme é um dia ou dois na vida desse policial, Frank Bullitt, vivido pelo McQueen, com os procedimentos habituais da profissão, o sujeito se metendo numa intrincada trama, envolvido no caso de uma testemunha que deveria ser protegida, mas que levou uns tiros de uns matadores profissionais, e agora tem um senador xarope (Robert Vaugh) pentelhando na sua cola, querendo se aproveitar da situação.

Mas Bullitt é um homem de carne e osso, que precisa comer e agradece a enfermeira que lhe traz um sanduíche nos corredores do hospital, o filme arruma um jeito de separar um tempinho pra mostrar o sujeito fazendo compras no mercadinho da esquina, comprando jornal, escovando os dentes, levando a namorada (Jacqueline Bisset) pra jantar...

Esse tipo de detalhe, esse cuidado, que adiciona uma camada bem-vinda de humanização e complexidade ao personagem que torna a experiência de ver BULLITT muito mais rica. Não apenas mantemos os olhos abertos para chegar ao fundo do mistério policial, mas também ficamos na esperança de descobrir outra pista sobre quem é esse tira durão e inabalável chamado Bullitt.

A atitude do homem em relação à namorada e ao seu trabalho também tem um peso narrativo, faz parte desse enriquecimento da trama e do personagem. Ele diz “isso não é pra você, querida”, enquanto ela tem um emprego que envolve criação de arte para o mundo do comércio (“custa caro ter uma alma”), algo pelo qual ele claramente não demonstra o menor interesse. E é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, ela acabe entrando em contato com o mundo dele.

Algumas falas de Bisset durante a discussão à beira da estrada são, claro, um tanto óbvias, mas o modo como Yates encena é tudo. A paisagem já não parece mais tão exuberante quanto a própria Bisset, sendo substituída por um cenário árido, enquanto a discussão do casal se dá tendo ao fundo a presença imponente do porto, o que revela o quanto do que cerca a bela cidade de São Francisco pode ser dura e opressora, e como essa feiura estava muito mais próxima dela do que jamais imaginou. E, a partir desse momento, nunca mais poderá ser vista da mesma forma.

Grande parte do filme tem uma natureza mais observacional, o que pode fazer com que passe despercebido o quão cuidadosa e controlada é, na verdade, a direção. O diretor Peter Yates está sempre mostrando exatamente o que quer que vejamos, seja ao capturar a atmosfera de São Francisco em praticamente cada plano, seja nos olhares silenciosos e calculados que os personagens trocam entre si, expressando muito mais do que qualquer diálogo poderia transmitir, como aquele olhar entre McQueen e o médico interpretado por Georg Stanford Brown, quando escutam Vaughn pedindo para que ele seja substituído. E há toques sutis como o silencioso plano, com suaves movimentos de câmera enquadrando o rosto de McQueen, enquanto ele analisa a cena do crime, pura expressão, quase dá pra ler os seus pensamentos quando a clareza do caso começa a surgir para Bullitt.

Quando o filme acelera, tudo é apresentado de forma impecável. A perseguição de um dos assassinos dentro do hospital é quase uma aula de como decupar esse tipo de sequência (o montador Frank P. Keller ganhou o Oscar pelo filme, merecidamente), e o clímax no aeroporto tem seu impacto, especialmente a perseguição à pé na pista de vôo, com o aviões em movimento bem perto dos personagens. Evidente o quanto Michael Mann se inspirou para o final de FOGO CONTRA FOGO (Heat, 1995).

E sim, a famosa perseguição de carros é realmente impressionante. Quando Steve McQueen e sua produtora se envolveram com BULLITT, fizeram questão de recrutar o diretor Peter Yates quase exclusivamente por causa da perseguição que ele havia dirigido no filme THE ROBBERY, um ano antes. E aqui o homem tava inspirado. Aquele som incessante do motor do Ford Mustang sempre ecoa na minha cabeça quando lembro. Dez minutos de pura adrenalina que poucas vezes foram superados. Quando o compositor Lalo Schifrin recebeu a sequência para musicar, ele voltou ao diretor e disse pra esquecer, porque o ronco dos motores e o atrito dos pneus no asfalto já diziam tudo. Música só atrapalharia aquele tipo de força bruta e décadas depois, Schifrin continua certo.

"Ai, mas tem um monte de erros de continuidade, aquele Fusca verde aparece repetidas vezes e blá, blá, blá."

FODA-SE!

Isso não me incomoda em nada. Essas coisas só me fazem prestar ainda mais atenção em cada plano, em cada corte eficaz, e valorizar ainda mais tudo o que o filme consegue realizar nessa sequência brutal.

A fórmula do filme policial contemporâneo ainda estava sendo desenvolvida aqui, e em certos aspectos, Chalmers (Vaughn), é mais vilão do que a pessoa que Bullitt acaba tendo que perseguir. Chalmers não é corrupto, aparentemente, apenas está mais interessado em dinheiro e poder do que em realmente buscar justiça, algo que fica claro na última ação que o vemos realizando. Ele é o tipo de figurão que consegue fazer uma oferta de sucesso e uma ameaça velada soarem exatamente da mesma forma.

Os bandidos que a polícia precisa capturar são encarados como parte natural desse mundo, mas o político por trás de tudo quer resolver o caso apenas por prestígio pessoal. E, sem entender por que um policial da classe trabalhadora não gostaria de um pouco dessa glória, ele está disposto a atrapalhar o trabalho de Bullitt de todas as formas possíveis, tudo isso enquanto anda por aí com um adesivo de “Apoie a Polícia Local” no para-choque do carro. Cabe a Bullitt concluir o trabalho, do jeito que for necessário, mesmo que, no fim, ao encarar o próprio reflexo no espelho, ele perceba que talvez nunca consiga responder qual é, de fato, o propósito desse trabalho. Pelo menos Jacqueline Bisset está por perto, dormindo no quarto ao lado, o que nos permite deixar o personagem com esse pequeno resquício de esperança.

Steve McQueen é simplesmente o cara mais cool que já existiu. Lee Marvin e Charles Bronson provaram ser mais durões, badasses. E até mais talentosos. Mas nunca chegaram perto da áurea cool de McQueen. Confiante em cada movimento que faz, vestindo aquele suéter de gola alta, e com aquele olhar que deixa claro que ele sabe exatamente o que está fazendo, mesmo quando a trama parece meio nebulosa em certos momentos.

Ele ignora Vaughn e outros superiores que querem que ele entre na linha, que não deixam fazer seu trabalho da melhor forma possível, sob os seus termos. Mas não pude deixar de notar como ele é absolutamente cortês com praticamente todas as pessoas que encontra e que não têm nada a ver com esse mundo podre em que ele trabalha. Grande desempenho de McQueen, compondo uma das representações policiais mais influentes do período e criando um paradgma de como lidar autoridades.

Jacqueline Bisset, com aquele ar provocante enquanto come cereal no café da manhã, é absolutamente encantadora. E embora tenha a cena que soa um pouco óbvia, seu carisma genuíno sempre prevalece. Voltaria a trabalhar com Yates em O FUNDO DO MAR (The Deep, 1977). Robert Vaughn está lendário aqui, trazendo um nível de escárnio de um jeito notável. E cada gesto desagradável que ele faz é um pouco fascinante. Aparecendo antes da fama, Robert Duvall tem um tempo de tela bem curto como o taxista que ajuda Bullitt a montar o quebra-cabeça do caso. Também é curioso ele estar como o quinto nome nos créditos, e sempre gostei de como ele diz: “Se cuida, tenente”, na última vez que McQueen desce do seu táxi.

Peter Yates foi, em seus melhores momentos, um diretor muito bom, que fez alguns títulos que mereciam ser mais conhecidos hoje do que realmente são. Especialmente OS AMIGOS DE EDDIE COYLE (The Friends of Eddie Coyle, 1973), que revi outro dia e que continua uma belezura. Talvez, muito provavelmente, seja o meu favorito do diretor.

No entanto, BULLITT, pelo menos pra mim, é aquele em que tudo parece ter se encaixado melhor. Um filme que ganha mais significado conforme os anos passam e eu vou entendendo um pouco mais os seus detalhes, os seus mistérios e o personagem principal. Um tipo de cinema com o qual me conecto cada vez mais à medida que tô ficando mais velho, mesmo que seja essa "cápsula do tempo", datado. Mas o que mais amo é como esse filme ainda guarda coisas novas pra eu descobrir e a cada revisão entendo melhor os motivos pelos quais o herói é como é e como ele consegue fazer as coisas funcionarem ao seu redor, apesar de todos os obstáculos.

15.8.13

SETE HOMENS E UM DESTINO, aka The Magnificent Seven (1960)


Dizem que Akira Kurosawa se inspirou nos faroestes americanos de John Ford, Budd Boetticher, Delmer Daves, Howard Hawks e outros ao realizar o seu clássico OS SETE SAMURAIS. Por sua vez, John Sturges baseou-se no filme de Kurosawa para realizar o western SETE HOMENS E UM DESTINO. Assisti pela primeira vez quando ainda era moleque e não achei grandes coisas. Revendo hoje acabou se mostrando bem mais interessante por conta da maneira como o filme desmistifica um pouco a áurea dos heróis justiceiros do faroeste americano com reflexões sobre a solidão e o modo de vida desses indivíduos. Algo que eu não havia pescado na infância, interessado apenas em ver pessoas atirando uma nas outras...

Outros westerns já haviam trabalhado esse assunto, portanto, nada de muita originalidade por aqui. Mas o fato é que SETE HOMENS E UM DESTINO deixa de ser apenas um bang-bang de aventura para ser, também, um excelente estudo de personagens. E estes são interpretados por um elenco dos mais notáveis, o que contribui muito para que o espectador não desgrude o olho da tela. SETE HOMENS E UM DESTINO ajudou a alavancar as carreiras de Steve McQueen, Charles Bronson, James Coburn e Robert Vaughn. Conta também com atores experientes, do calibre de Yul Brynner e Eli Wallach. O primeiro, já naquela altura, possuía status de celebridade.



Com toda essa turma reunida, são curiosas algumas, digamos, fofocas de bastidores. McQueen, por exemplo, ávido por mais presença, queria se tornar um astro o mais rápido possível e tentava roubar as cenas de Brynner fazendo coisas que chamassem a atenção para si quando contracenava com o careca. Já Brynner estava preocupado em aparecer bem mais alto que McQueen nos enquadramentos (os dois tinham praticamente a mesma altura). O sujeito chegou a fazer um montinho de terra para ficar em cima, mas McQueen chutava “sem querer querendo” toda vez que passava por ele...


Confrontos de egos à parte, todos estão ótimos e cada um conseguiu transmitir com personalidade as características definidas particularmente para seus personagens. Coburn caladão, sempre na dele, Vaughn medroso traumático, Bronson durão de coração mole, e por aí vai... É bacana também as habilidades específicas de alguns deles, especialmente Bronson, que é um exímio atirador com o rifle, e Coburn, um perito em facas. A divisão na hora de editar as sequências de ação também concede a cada um algumas boas cenas. Nisso John Sturges era muito bom, algo que se comprovou em outros filmes, sobretudo em FUGINDO DO INFERNO (63), clássico que também tinha o trio Bronson, McQueen e Coburn no elenco. Além de uma porrada de outros atores.


Sturges é o que podemos chamar de bom artesão. Não se pode esperar a elegância e maestria de um John Ford ou Don Siegel, mas fazia o que tinha que fazer com muita eficiência. Nesse sentido, as sequências de ação acabam em segundo plano. São filmadas de maneira correta, mas com poucos momentos de maior destaque. Uma das cenas que eu chamaria atenção é quando Robert Vaugh finalmente perde o medo e resolve entrar na ação invadindo uma casa cheia de bandidos.


Mas perguntem a algum fã do filme se ele sente falta de tiroteios mais elaborados. A construção dos personagens, a maneira como interagem, como são desmitificados, até a trilha sonora de Elmer Bernstein, são elementos suficientes para transformar SETE HOMENS E UM DESTINO no autêntico clássico que é. E a história é fascinante. Com uma duração bem menor que a de OS SETE SAMURAIS, há quem diga que os realizadores pegaram somente as “partes boas” do filme do Kurosawa e transformaram neste aqui. Recomendo uma espiada em ambos para as devidas comparações e tirarem suas próprias conclusões.

Curiosidade: Dos principais atores que compõem o elenco, apenas dois ainda estão vivos. Robert Vaughn, com 80 anos, e Eli Wallach, com seus 97 anos bem vividos.