Para começar bem o ano, revi essa preciosidade dos anos 70, estrelado pelo meu ator favorito, Lee Marvin, o qual vive um xerife casca grossa de uma pequena cidade americana que precisa tomar certas atitudes quando um grupo da Ku Klux Klan resolve botar pra quebrar em cima dos negros.
THE KLANSMAN é um filme interessante, desses que ninguém teria coragem de realizar hoje dentro de um estúdio americano, uma fábula cruel e violenta sobre racismo.
Naquele período o politicamente incorreto não era visto com o rabo de olho como é hoje (na verdade, era, só que os produtores ainda tinham audácia para financiar certas coisas). Brancos estuprando negras, castrando e assassinando negros à sangue frio, são pequenos detalhes presentes aqui, entre outras coisas, inimagináveis na Hollywood atual.
A primeira versão do roteiro, baseado num romance de William Bradford Huie, foi escrita pelo mestre Samuel Fuller – ele também seria o diretor do projeto – mas muito pouco do que fora filmado estava realmente nos manuscritos do diretor de CÃO BRANCO. O personagem de Marvin, por exemplo, não era um xerife, mas um membro da KKK cujo ponto de vista sobre o racismo se transformaria durante a trama. Havia também outros detalhes que provocaram os executivos da Paramount e fizeram com que fossem impostas as modificações, o que deixou Fuller puto da vida ao ponto de chutar o balde e pular fora. Mesmo assim, ele recebeu crédito pelo roteiro. Marvin pensou em fazer a mesma coisa, mas como já havia assinado o contrato acabou ficando.
Para o lugar de Fuller na direção, contrataram o veterano Terence Young, um nome raramente lembrado, mas possui no currículo alguns bons filmes de ação dos anos 60 e 70 realizados em sua maioria na Europa. Era um artesão de fato, mas sabia posicionar e movimentar muito bem a câmera com segurança, sabia contar uma boa estória. Foi ele quem dirigiu os dois primeiros filmes da série estrelada pelo espião 007, com Sean Connery.
Além de Lee Marvin, que está sempre perfeito em tudo que faz, temos também o britânico Richard Burton encabeçando o elenco. Dizem as colunas de fofocas que os dois bebiam todo tempo enquanto filmavam. Burton teve que parar em uma clínica para tratar do alcoolismo assim que as filmagens terminaram. O elenco se completa com o grande Cameron Mitchell, outro ator subestimado, e O.J. Simpson, aquele ex-jogador de futebol americano acusado de ter assassinado sua ex-mulher. Mas muitos se lembram dele como o policial Nordberg de CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ.
O tema de THE KLANSMAN é tratado de maneira muito clara durante a trama e não possui muitas pretensões reflexivas, algo com o qual o roteiro de Fuller provavelmente proporcionaria. Tampouco é um filme de muita ação. Temos o final quando o grupo de KKK, fantasiados à caráter, encurrala o Xerife e seus amigos – estes respondem com chumbo grosso sem piedade, e só.
Mas é um bom filme que valoriza seus personagens e suas excelentes atuações, como os grandes momentos de Marvin contracenando com Burton, além da brutalidade habitual do cinema americano dos anos setenta. Um charme cultuado hoje, mas o filme pagou um preço sendo colocado no mesmo patamar das produções do cinema de exploração e, como acontece com quase todo esse tipo de filme, acabou encalhado e esquecido.
Putz, imagine isso aí na mão do Fuller, e do jeito que ele imaginou!
ResponderExcluirMe diga uma coisa, amigo. O cinema americano dos anos 50 é glorioso e tudo, mas não era realista. O dos anos 70 sim, claro, todos sabemos. A transição notoriamente se deu nos anos 60, certo? Porém fico cá a me perguntar qual seria esse filme, esse marco, que empurrou o cinema para a modernidade, para o realismo? Terá sido Caçada humana do Arthur Penn, ou seria outro? Queria te propor essa questão, ou ouvir sua opinião. Um abraço!
ResponderExcluirCom certeza o Arthur Penn foi um dos principais nomes desse movimento que gerou a "nova Hollywood", com filmes como Mickey One e Caçada Humana. Mas os dois filmes considerados MARCOS dessa transição é Bonnie & Clyde, também do Penn e Easy Ryder, do Dennis Hopper. Durante esse periodo surgiram os nomes que mudariam tudo: Warren Beatty, Bob Rafelson, Jack Nicholson, Robert Towne, Coppola, Hal Ashby, Bogdanovich, todos tentando imprimir um estilo mais realista no cinema que faziam, influenciados pela Nouvelle Vague francesa (menos o bogdanovich, que adorava o cinemão clássico americano de Ford e Hawks). Até mesmo figuras do cinema clássico adotaram o estilo nos anos 70, como Peckinpah e Don Siegel. Recomendo um livro excelente que acabei de ler chamado "Como a geração Sexo Drogas e RocknRoll salvou Hollywood".
ResponderExcluirEu, particularmente, sou um grande fã desse periodo de transição do cinema americano. Várias obras primas que eu venero são desta época.
Isso dá pano pra manga pra um post inteiro, hehe, mas não tenho calibre pra escrever algo assim, mas adoraria discutir esse período com você por aqui, sem dúvida.
Grande abraço!
Muito bem colocado, amigo! Porém, sendo Caçada Humana anterior a esses citados, e sendo já permeado por essa moderna carga de violencia psicológica, não seria mais justo colocá-lo como verdadeiro marco de transição? Bonny & Clide é obra-prima, mas já estamos no limiar dos anos 70, e Sem Destino carece de maiores qualidades cinematográficas propriamente ditas, a despeito de seu tom revolucionario contido no roteiro... Ah, dessa fase também temos o John Boorman, e seu À queima-roupa, não? Abraços, amigo...
ResponderExcluirEu não me lembro tanto assim de Caçada Humana... e quem sou pra definir o MARCO desse periodo de transição, hehe, mas com certeza ele é fundamental pro processo... assim como A Primeira Noite de um Homem, Bonnie & Clyde, Cada Um Vive como Quer, Easy Rider, M.A.S.H., os filmes do Friedkin...
ResponderExcluirAh, e bem lembrado o À Queima Roupa! É o pai do cinema policial moderno e um puta filme que eu adoro!