Os detalhes dessa história variam de fonte para fonte, mas a essência é a mesma: na metade dos anos 1980, o produtor alemão Bernd Eichinger, da Constantin Film, comprou da Marvel Comics uma opção de dez anos sobre os direitos do Quarteto Fantástico, por um valor de 250 mil dólares. Por volta de 1993, porém, esses direitos estavam prestes a expirar e, caso nenhum filme fosse concluído até uma data limite, eles simplesmente voltariam para a Marvel, sem custo algum. Então surge a pergunta: pra onde você corre quando precisa fazer um filme de super-herói em poucas semanas, com um orçamento de apenas um milhão de dólares e nada mais?
Ora, você vai até Roger Corman, é claro!
Depois que Corman fez sua mágica de sempre, com o filme produzido, dirigido por um de seus pupilos, Oley Sassone, os direitos foram oficialmente renovados. A Marvel, no entanto, não ficou nada satisfeita com o resultado do filme e, para evitar que aquilo prejudicasse a marca, comprou discretamente as poucas cópias e o negativo, impedindo assim qualquer possibilidade de lançamento nos cinemas ou em vídeo (embora alguém da indústria tenha conseguido fazer uma cópia ilícita em VHS antes disso).
Nem Roger Corman, nem o diretor Oley Sassone, tampouco o elenco ou a equipe foram consultados ou informados dessa decisão. Existiam planos reais para um pequeno lançamento nos cinemas, inclusive material de marketing e um trailer havia sido produzido com esse objetivo. Há rumores de que a Marvel mandou destruir todas as cópias e o negativo do filme.
Pouco mais de dez anos depois finalmente surgiria um filme do Quarteto Fantástico nas telas, com muito mais de tudo: grande elenco, orçamento maior, efeitos especiais bem feitos, enredo mais ambicioso, e maiores expectativas. E o resultado foi aquela porcaria de 2005 dirigido por Tim Story. Enquanto isso, cópias de baixa qualidade (feitas a partir da tal fita VHS pirata) de THE FANTASTIC FOUR começaram a circular e chegar ao olhar do público. E a dúvida se o ocultado filme de 1994 era realmente tão ruim assim pode finalmente ser respondida.
E a resposta não é tão simples quanto um "sim" ou "não". Sim, o orçamento é visivelmente apertado. Sim, é um filme exageradamente cafona, mal interpretado e com caracterizações duvidosas. Até os efeitos especiais, talvez surpreendessem alguém nos anos 50, mas na década de 90 já estavam fora de moda há um bom tempo.
No entanto, há algo estranhamente irresistível no conjunto da obra, em todos esses elementos toscos reunidos aqui, que lhe dá uma cara de quadrinho B anacrônico, que lembra aqueles seriados de aventura dos anos 40, que faz a gente se perguntar por que ele nunca chegou a ser lançado e um BATMAN & ROBIN, do Joel Schumacher, foi. O que quero dizer é o seguinte: se você analisa o filme pelo que ele realmente é (uma produção de baixíssimo orçamento assinada por Roger Corman, com tudo o que isso representa, com toda a alma de um filme B vagabundo dos anos 90) e não pelas expectativas de uma adaptação grandiosa de um clássico da Marvel como o Quarteto Fantástico, o resultado até que é bem divertido.
Um dos prováveis motivos pelos quais THE FANTASTIC FOUR não teve muito sucesso e foi retirado de cena é simples: o elenco não tinha apelo comercial. As faces mais “conhecidas” por aqui vinham de produções feitas para a TV, lançamentos direto para vídeo ou do limbo das estrelas decadentes dos anos 80, como Jay Underwood, de O GAROTO QUE PODIA VOAR (1986), que vive Johnny Storm; George Gaynes, famoso pela franquia LOUCADEMIA DE POLÍCIA, aparece por aqui como um professor qualquer.
Nos demais papéis, temos o pouco lembrado Alex Hyde-White como Reed Richards, Michael Bailey Smith como Ben Grimm, Rebecca Staab como Sue Storm e Joseph Culp interpretando Victor Von Doom. Nenhum nome de peso para atrair o grande público e, convenhamos, nada que desperte curiosidade nem entre os fãs de carteirinha dos personagens.
É basicamente um filme de origem. Começamos com dois jovens gênios universitários, Reed Richards e Victor Von Doom, tentando canalizar a energia de uma entidade misteriosa chamada Colossus, que apareceu no espaço acima da Terra. Como esperado, tudo dá errado: Doom aparentemente morre eletrocutado, e Richards vê sua carreira desmoronar. Dez anos depois, Reed está pilotando uma nave espacial numa nova tentativa de capturar a tal energia, agora acompanhado por Susan, Johnny e Ben.
Mas quando um vilão chamado The Jeweller, uma espécie de leprechaun dos esgotos, decide sabotar a missão trocando uma peça vital, a nave explode, os tripulantes são engolidos por um psicodelismo visual, atingidos por imagens de 2001 - UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, ou de algumas inserções de filmes experimentais do Stan Brakhage, e caem de volta à Terra.
Curiosamente, ninguém se machuca no acidente. Mas logo percebem que adquiriram poderes estranhos e indesejados. Reed estica o corpo, Sue fica invisível… Você já sabe como é. Só entenda que aqui tudo é feito da forma mais barata e tosca possível. Mas digo isso com um certo carinho. No fim, eles aceitam suas novas condições e decidem usá-las para enfrentar a ameaça que ronda Nova York: o sombrio e misterioso Doom. É uma trama simples, básica, e até fiel ao espírito dos quadrinhos, pelo menos no papel.
Se você já viu algum filme do Roger Corman e, se chegou até aqui, espero sinceramente que sim, sabe o que esperar: orçamento mínimo perceptível, estética camp por todos os lados e um certo charme meio vagabundo que torna tudo meio irresistível. Mas dá pra entender por que a Marvel (ou quem quer que estivesse com os direitos na época) não quis lançar isso oficialmente. Agora, destruir todas as cópias para evitar que o público veja? Aí já é demais. Confesso que isso até me faz sentir uma certa empatia pelo filme.
Mas veja bem, não vou passar pano. É o tipo de filme perfeito para uma bad movie night entre amigos, com direito a risadas, comentários sarcásticos e algum inebriante. As atuações são, na maior parte do tempo, desastrosas, em certos momentos parece que estão fazendo de propósito. Reed tem um carisma exagerado, enquanto Johnny compensa isso, porque é insuportavelmente hiperativo. Sue Richards é praticamente uma planta em cena. A grande (e única) surpresa vem do Coisa, que carrega um arco dramático bem definido, com conflitos internos e uma certa humanidade que, ironicamente, falta nos outros personagens. Sua relação com a escultora cega Alicia Masters é mal desenvolvida por aqui, mas tenta abordar o dilema entre a aparência monstruosa e a sensibilidade emocional. Em meio a tanta tosqueira, é curioso perceber que justamente o personagem mais “duro” é quem transmite emoções mais sinceras.
O filme tem seus momentos. A maquiagem do Coisa, por exemplo, lembra (de forma positiva) os trajes com expressões faciais de animatronics das Tartarugas Ninja dos anos 90. Há momentos engraçados, e até empolgantes, se você estiver com a expectativa bem baixa e muito bom humor, as duas cenas de luta em que eles derrotam um grupo armado é um destaque, com direito à pernas e braços de Reed se esticando pra socar ou fazer bandidos tropeçarem, ou o Coisa distribuindo socos à vontade. E quando Jhonny finalmente se tranforma no Tocha Humana, a coisa é tão deplorável e ridícula que é impossível resistir.
Enfim, eu gosto dessas tralhas. Filmes de super-herói feitos com troco de pão não aparecem todo dia, e THE FANTASTIC FOUR de vez em quando aparece como minha dose favorita de diversão fajuta com superpoderes. Agora que já desenterrei esse clássico alternativo, acho que tô pronto para encarar a nova versão que está nos cinemas. Não deve chegar nem perto desse aqui em termos de charme acidental, mas... quem sabe? Sem pressa, não sei quando verei. Mas vou com o coração aberto.
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