13.1.13

96 HORAS DE WALTER HILL

Contagem Regressiva BULLET TO THE HEAD # 6: 
48 HORAS (1982) + 48 HORAS - PARTE II (1990)


Ainda no processo de conferir e revisitar os filmes do Walter Hill, fiz uma sessão dupla com os dois 48 HORAS. Fazia uns bons quinze anos que não assistia. Muito antes de MÁQUINA MORTÍFERA e o seriado MIAMI VICE, Hill já tinha se aproveitado das maravilhas do subgênero “buddy cop movies interracial” de maneira minuciosamente particular. Apesar de não ser nenhum inventor do estilo, o primeiro 48 HORAS serviu de base para muitos exemplares posteriores.

Ambos reprisaram milhares de vezes nas tardes da TV no final dos anos 80 e início dos 90, e para quem teve a oportunidade de conferir na época já deve estar careca de saber o enredo. Mas, para quem não sabe, vamos ao filme de 82: o policial Jack Cates (Nick Nolte), em uma manobra desesperada para pegar um assassino, consegue obter custódia do presidiário Reggie Hammond (Eddie Murphy) por 48 horas para ajudá-lo com o caso, formando uma dupla inusitada.

A princípio se odeiam, discutem as diferenças, até saem na porrada! Mas gradativamente vão ganhando o respeito do outro e grande parte da diversão em 48 HORAS é acompanhar esse processo de “conquista” e as questões levantadas pelo fato do policial ser branco e o seu novo parceiro ser um ex-criminoso negro.


Cates ofende Hammond com os mais variados insultos raciais possíveis escritos pelos roteiristas. Se bem que Nolte já declarou que muitos diálogos entre ele e Murphy foram improvisados. De qualquer maneira, seu personagem pede desculpas mais tarde e diz que estava apenas fazendo seu trabalho, mantendo Hammond por baixo... Vamos fingir que acreditamos. Vale lembrar que estamos no início dos anos 80 por aqui, o politicamente correto ainda não estava impregnado em todos os meios de comunicação. Se um personagem é racista, não tem porque amenizá-lo...

Além do próprio Hill, um dos roteiristas foi Roger Spottiswoode, que dirigiu uns filmezinhos legais de ação, mas nunca chegou aos pés de seus mentores. O sujeito foi editor do belo western PAT GARRET & BILLY THE KID, de Sam Peckinpah, e LUTADOR DE RUA, do Hill. Mais duas pessoas também contribuiram no guião: Larry Gross e Steven E. de Souza, que era ótimo roteirista, escreveu vários filmes de peso dos anos 80, como DURO DE MATAR e COMANDO PARA MATAR, mas quando finalmente resolveu se meter na direção, fez a desastrosa adaptação de Street Fighter para as telas, com o Van Damme.

48 HORAS tem alguns fatos curiosos, um deles é que se trata da estreia de Eddie Murphy, com apenas 20 anos, na tela grande. Já tinha uma certa reputação na TV, no cenário humorístico dos stand ups, e aqui não precisa fazer muito esforço para ser o alívio cômico. Não sei se era intenção dos realizadores que o personagem fosse engraçado, até porque a escolha inicial era o Gregory Hines, mas com Murphy nas mãos, tiveram que aceitar as palhaçadas. Mas até que a veia cômica do seu personagem faz bem ao filme.


É o contraponto perfeito ao típico policial casca grossa, mal humorado, de Nick Nolte. Sujeito que não gosta de seguir as regras, age por vias nada convencionais, não tem muitos amigos, o chefe de polícia não sai do seu encalço lhe pressionando para fazer relatórios, a namorada está prestes a deixá-lo, aparentemente racista, está sempre em volta de uma garrafa de whisky... Obviamente, é o personagem perfeito para Nolte. Engraçado pensar que Mickey Rourke foi o primeiro nome pensado para o papel. Tiraria de letra, claro, mas sinto muito, Sr. Rourke, Jack Cates tem a cara e a voz de Nick Nolte, cuspido e escarrado!

Há também um bocado de outras figuras interessantes por aqui, como os vilões vividos por James Remar, que já havia trabalhado com o Hill em THE WARRIORS, e Landham Sonny, o índio de PREDADOR. São daqueles tipos de meliantes desprezíveis que realmente conseguiam meter medo e que fariam os bandidinhos do cinema atual tremer na base. Os dois são autênticos psicóticos assassinos!

No elenco ainda temos Frank McRay, Jonathan Banks, David Patrick Kelly, que interpreta um sujeito com o mesmo nome que tinha em THE WARRIORS: Luther. Para finalizar, temos Brion James, outro ator que foi dirigido por Hill, dessa vez na obra prima SOUTHERN COMFORT.


Muito bem! De elenco, personagens, trama e temas, estamos muito bem servidos para um puta filme policial. O que mais os realizadores poderiam acrescentar para transformar 48 HORAS numa experiência arrebatadora para os amantes do gênero? AÇÃO, é claro! E com o selo de qualidade Walter Hill a ação é a da mais pura qualidade! Os bons exemplos são os tiroteios filmados com elegância e montados de maneira simples sem qualquer vestígio de frescuras modernosas. Não são tão espetaculares como as de EXTREME PREJUDICE, mas todas as sequências de ação mantém o estilo magistral do diretor.


Oito anos depois, Walter Hill decidiu dirigir uma continuação de 48 HORAS. Contextualizando a situação de alguns indivíduos, em 1990 Eddie Murphy estava no topo, desfrutando de uma carreira sólida. Nick Nolte, apesar de um percurso interessante, estava mais interessando em observar o fundo de garrafas de cachaça. Já o Walter Hill vinha de um belíssimo filme, JOHNNY HANDSOME, mas até hoje um de seus trabalhos menos lembrados. Demonstra a habilidade do diretor como contador de história, mais focado no tour de force Mickey Rourke, e não precisou elaborar sequências de ação. Talvez seja por isso que Hill tenha resolvido chutar o balde nesse aqui.

48 HORAS - PARTE II possui certos exageros no tom, no humor, na ação, que não existem em 48 HORAS (um exemplar mais sério e verossímil  na medida do possível). Particularmente, sou bem mais o filme de 82. Não significa que o segundo seja ruim, como grande parte da crítica cantou na época do lançamento. Apenas destaco o fato dessa mudança de tonalidade. E é só na tonalidade mesmo, porque em relação à história e temas, é praticamente um xerox do primeiro filme!


Reparem na falta de sutileza na sequência que Jack Cates aparece pela primeira vez neste aqui. Ele persegue um sujeito numa pista de corrida de moto, surge um tiroteio, uma bomba de gás pega fogo e em menos de 10 minutos de filme temos uma puta explosão! A maneira como Hammond entra de vez na história é igualmente exagerada, com o ônibus da prisão sendo atacado por uma gangue de motoqueiros assassinos e capotando dezenas de vezes...

Mas o importante é que as duas figuras estão de volta. A trama se passa cinco anos depois dos acontecimentos do filme anterior e dessa vez a dupla retorna para tentar encontrar o misterioso traficante de drogas, que atende pelo nome de Iceman.

Murphy repete o papel de Reggie Hammond bem mais à vontade, podendo fazer suas palhaçadas tranquilamente. Naquela época já era sem graça, mas dirigido por alguém do calibre de Hill, até que deu certo. A cena no bar onde ele saca uma arma e faz um monólogo sobre como está tendo um dia péssimo é das melhores performances em toda a carreira de Murphy.


Nick Nolte, que é o grande destaque do primeiro filme, me pareceu um tanto no piloto automático por aqui, apenas repetindo de maneira mecânica e pouco inspirada o que já tinha feito oito anos atrás. Continua o mesmo badass de sempre, por isso dá pra relevar. E a química que mantém com Murphy também ajuda. Parecem até se divertir durante as filmagens...

O grande vilão de 48 HORAS – PARTE II é o irmão do personagem de James Remar, interpretado por Andrew Divoff, um mercenário contratado para matar Reggie. Aproveita também a oportunidade para vingar a morte de seu irmão, que levou chumbo grosso de Cates.Também lidera a tal gangue de motoqueiros que, captado pelas câmeras de Hill, faz lembrar mais um grupo de cowboys modernos. E de fato, a abertura é claramente inspirada num western, gênero que Walter Hill iria se debruçar nos anos 90 com dois filmes e meio (levando em conta que O ÚLTIMO MATADOR é meio gangster, meio faroeste). O resto do grupo é formado por David Anthony Marshall e Ted Markland. No elenco temos novamente a presença de Brion James, além de Kevin Tighe e Ed O’Ross.


Essa segunda parte da série ainda se beneficia por mais algumas doses de ação muito bem filmadas, com destaque para o clímax final, uma confusão de tiros, socos e explosões. E só por essas sequências, a experiência de rever essa belezinha já valeu a pena. O veredito é de que eu gosto bastante de 48 HORAS - PARTE II, para mim seria extremamente difícil rejeitá-lo, tendo novamente a reunião dessas duas figuras, Nolte e Murphy, em uma aventura policial inédita, mesmo fazendo as mesmas coisas vistas no filme anterior.

No entanto, não nego o fato de que este capítulo poderia chegar mais longe se os realizadores tivessem feito uma variação mais ambiciosa, levado a trama para outros caminhos, ou até mesmo se aprofundado ainda mais na construção dos personagens, nas suas relações, enfim, não tornar 48 HORAS - PARTE II em um simples repeteco do primeiro filme. Essa sensação fica ainda mais forte se os dois exemplares forem assistidos em sequência.

8 comentários:

  1. Preciso rever o dois, nem sei se cheguei a assistir algum deles inteiro. Excelente "Contagem Regressiva", Perrone, parabéns!

    Abraço!

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  2. Bons tempos em que isso passava de tarde na TV. Nesses tempos politicamente corretos, a molecada tem que assistir filmes com bichos e garotinhas chamadas Tiffany ou filmes até legais, mas mutilados para caber na grade de horário ou para pegar uma classificação etária mais leve e poder passar.

    Eu me considero felizardo por poder ter visto na TV Robocop, Vingador do Futuro, 48 Horas 1 e 2, Comando para Matar, Rambo 1, 2 e 3, Tira da Pesada 1, 2 e 3... Educar meu irmão de 17 anos só foi possível com internet e locadora.

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  3. O primeiro é um clássico, e o segundo, apesar de inferior, ainda é uma boa pedida. Traz os mesmos cacoetes, mas gosto da gangue de motoqueiros e do melhor aproveitamento do ótimo Brion James.

    Um detalhe inútil que reparei nesse segundo filme, foi aquela cena em que Nick Nolte está encaixotando suas coisas e fica brincando com aquela canetinha que fazia o maior sucesso entre a molecada dos anos 80: ela tinha uma mulher de biquini e quando você virava de cabeça pra baixo, a mulher ficava nua. Tem uma cena quase idêntica em O LIMITE DA TRAIÇÃO quando o Nolte ou outro policial, agora não me lembro, está examinando uma bala com a mesma caneta, hahaha!

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  4. Acho que a melhor fase do hill foi nos anos 70, concorda?

    Não posso afirmar se foi mesmo, porque não vi nenhum dos seus filmes da última década. Mas mesmo assim, espero coisa boa do bullet do the head.

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  5. MARCELO, o negócio é o Hill possui apenas três filmes na década de 70. É muito pouco pra determinar como melhor fase. Na década passada, o único longa que fez foi O IMBATÍVEL, que acho muito bom. Mas o Hill é um diretor especial, em todas as décadas possui trabalhos brilhantes que merecem ser vistos. Acho que vai ser muito difícil BULLET IN THE HEAD não ser bom.

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  6. Citei os anos 70, porque até o momento THE DRIVER e WARRIORS são os meus favoritos disparados dele.

    Mas estou com o SOUTHERN COUNTRY aqui para ver e esse tem cara de ser um filmaço (depois leio o teu comentário dele). Li diversos comentários de gente que prefere esse a DELIVERANCE.

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  7. Bah, eu sou um dos que prefere SOUTHERN ao DELIVERANCE. E olha que gosto bastante do filme do Boorman.

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  8. "Murphy já era sem graça naquela época" E quem é engraçado pra vc?

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