9.8.25

A POLÍCIA DA ESTRADA (1973)

 

Quando A POLÍCIA DA ESTRADA (Electra Glide in Blue) foi lançado, em 1973, o gênero dos filmes de motoqueiros, os biker movies, já estava em declínio, os carros já haviam se tornado o veículo preferido para a rebeldia e o caos. Mas o sucesso de SEM DESTINO, de Dennis Hopper, em 1969, abrira a porteira para uma enxurrada de produções sobre motoqueiros em suas fantasias sobre liberdade, algumas com mais interesse filosófico, outras destituídas da camada existencial que a ode de Dennis Hopper à estrada buscava alcançar.

É nesse cenário que James William Guercio - então um produtor, compositor e músico de 27 anos no auge da carreira, famoso por trabalhar com a banda Chicago - decide filmar algo diferente. Filho e neto de projecionistas, Guercio crescera assistindo repetidamente a clássicos como RASTROS DE ÓDIO e OS BRUTOS TAMBÉM AMAM, cultivando desde cedo o sonho de um dia realizar um filme. O acaso colaborou quando seu amigo David Picker, presidente da United Artists, propôs financiar um pequeno filme independente pra ele com duas condições inegociáveis: orçamento máximo de um milhão de dólares que não poderia ser ultrapassado e entrega do filme na data estipulada. Em troca, Guercio teria controle artístico total. O sujeito escolheu filmar um roteiro de Robert Boris inspirado em um caso real sobre a misteriosa morte de um motociclista no deserto.

Guercio decidiu ir na contramão do espírito da época. Faria um filme anti-contracultura, quase um contraponto direto a SEM DESTINO. Em vez de contar a história pela perspectiva de outsiders hippies, ou anti-heróis, o protagonista seria o policial rodoviário de moto John Wintergreen (Robert Blake), cujo sonho é se tornar detetive. Wintergreen tem bom físico, é bastante elogiado pela "namorada" pelo vigor na cama, mas é baixinho e, talvez, inteligente demais para o que faz. Passa os dias parando carros que ultrapassam o limite de velocidade e aplicando multas, entediado, até confidenciar ao parceiro acomodado, Zipper (Billy “Green” Bush): “Eu gostaria de ser pago para pensar.

A oportunidade parece surgir quando Wintergreen se depara com uma cena de um possível assassinato, que tinha toda a pinta de suicídio, e desvenda o caso. Promovido para trabalhar à paisana, torna-se protegido de Harve (Mitch Ryan), um detetive mais maduro, que pelo modo de se portar e vestir já faz brilhar os olhos de Wintergreen. A convivência, no entanto, logo o decepciona. Harve é um sujeito violento e preconceituoso, mais pose que de fato bom naquilo que faz. Sem contar uns detalhes enfraquecidos que a namoradinha de Wintergreen revela para deixar Harve constrangido. Quando Wintergreen o confronta com a resolução do caso, assina sua sentença, é rebaixado e volta para sua moto e para as multas de trânsito.

O assassinato da trama, na verdade, funciona como um mcguffin: não é o centro da narrativa, mas um artifício para mover o que realmente importa. O foco real é o estado de espírito do protagonista e sua busca por um lugar melhor para si. É o que torna A POLÍCIA DA ESTRADA profundamente existencial. Wintergreen percebe que não tem lá muita alternativa na vida e mesmo nas escolhas que faz as consequências talvez não sejam as melhores, o que o deixa frustrado, angustiado e sem perspectiva. É um homem calmo, justo (quase justo demais), mas sem perfil para detetive, e ele sabe disso, embora se recuse a desistir. Vive quase na fronteira entre a contracultura e a autoridade. Ele compreende e se identifica com muitos ideais hippies, mas está preso ao corte de cabelo curto e ao uniforme policial, sendo visto como “o inimigo” pelos moradores de comunas. Ao interrogá-los, fica nervoso, mas é gentil e respeitoso, até Harve entrar em cena com brutalidade. Ao sair, Wintergreen é chamado de “porco” e pisa, para completar a humilhação, em esterco de porco, sujando as botas de que tanto se orgulha.

Guercio filma de maneira a capturar tanto a introspecção dessa figura central quanto a paisagem. Sua câmera se aproxima dos rostos, corpos, mãos e gestos, de pequenos detalhes dos cenários, mas se abre em planos longos e contemplativos para mostrar o horizonte do Arizona, as montanhas dos westerns de Ford, com desertos e estradas infinitas, paisagens grandiosas do imaginário americano. Por vezes, o filme realmente evoca um faroeste clássico, e Wintergreen faz referências a Alan Ladd, astro que também sofria com a baixa estatura. O aspecto visual é primordial por aqui e Guercio fez questão de ter Conrad L. Hall (BUTCH CASSIDY, FAT CITY) como diretor de fotografia. Apesar do salário de Hall ultrapassar o orçamento destinado a essa função. Guercio, então, reduziu o próprio salário para 1 dólar a fim de garantir Hall como seu diretor de fotografia. Mas, apesar disso, os dois divergiam bastante em relação ao visual do filme. Chegou-se a um acordo: Guercio, que como já disse, cresceu influenciado pelos filmes de John Ford, queria filmar as cenas externas com uma estética tipicamente “fordiana”. Em troca, Hall poderia filmar as cenas internas da maneira que desejasse. O resultado é notável.

Acredito que o fato da produção não ter conseguido autorização para as filmagens nas locações não deve ter influenciado esse detalhe, mas o filme não poupa a instituição policial de uma visão bastante negativa. Zipper, por exemplo, é o estereótipo do agente racista, corrupto e gatilho-fácil. Harve segue pelo mesmo caminho, e até o chefe da força policial local não é mostrada de forma amigável, reforçando a percepção de que a corporação não tem lá grandes virtudes. Wintergreen é um anacronismo. Íntegro, capaz de multar até um detetive de Los Angeles furioso, raramente saca a arma e, como veterano do Vietnã, parece nutrir repulsa à violência gratuita. Mas o preço de perseguir o “sonho americano” é alto, significa abrir mão dos próprios valores.

Nem os policiais nem os hippies parecem se encaixar no mundo que ocupam por aqui. Guercio mostra como é fácil se perder em si mesmo, deixando que a estrada aberta, em vez de libertar, se torne um espaço de solidão e alienação. Ao contrário de SEM DESTINO, a estrada de A POLÍCIA DA ESTRADA é de tédio e frustração. Em um estande de tiro, Wintergreen descarrega balas nas cabeças de Dennis Hopper e Peter Fonda, estampadas em um pôster. Para ele, símbolos nocivos que incentivaram jovens a abandonar tudo, sem raízes, para serem "livres". Mas ao mesmo tempo é um paradoxo, ele entende a mensagem, mas não consegue vivê-la.

Apesar do peso dramático, Guercio insere um certo humor irônico irresistível que atravessa todo o filme. Wintergreen paquerando duas jovens diante de uma sorveteria e contando histórias sobre Alan Ladd, ou saindo vestindo o terno cuidadosamente para trabalhar e percebendo que esqueceu de colocar as calças. E há também pelo menos uma sequência de ação memorável, uma perseguição de moto eletrizante, filmada com maestria e um uso de câmera lenta tão eficaz que deixaria Sam Peckinpah orgulhoso. É realmente uma pena que seja o primeiro e único filme que Guercio realizou na vida. Aparentemente, ele chegou a começar a dirigir TOM HORN (1980), penúltimo filme de Steve McQueen, mas acabou sendo demitido com uma semana de trabalho...

Assim como SEM DESTINO, o filme termina de forma trágica, com um desfecho semelhante para seu protagonista. Mas aqui, a sensação é de fracasso inevitável, Wintergreen “perdeu o jogo” e nós entendemos exatamente o que isso significa. No fim das contas, A POLÍCIA DA ESTRADA se revela uma dessas obra raras, um estudo de personagem profundo, visualmente deslumbrante e tematicamente ousado. Um faroeste existencial travestido de drama policial, que desmonta tanto o mito da estrada quanto o ideal romântico da contracultura. Uma prova da força do cinema americano dos anos 1970 e uma experiência que permanece única até hoje.

Foi lançado pela versátil em DVD na caixa Cinema Policial vol. IV.

5.8.25

KEOMA (1976)

 

KEOMA é o canto do cisne do western italiano, o último grande spaghetti, surgindo em um momento em que o gênero declinava. E é inegável que o filme de Enzo G. Castellari está entre os mais ambiciosos, com uma tonalidade profundamente crepuscular e apocalíptica que, do ponto de vista formal, remete aos tempos áureos do gênero, como os clássicos de Sergio Leone, DJANGO, de Sergio Corbucci, e FACCIA A FACCIA, de Sergio Sollima, lançados na década anterior. Embora não seja tão lamacento quanto ao filme de Corbucci, KEOMA abre numa ambientação sombria, centrada em uma cidade fantasma, onde as casas desmoronam sob uma névoa permanente e tempestades de areia frequentes. Castellari reforça essa desolação com uma trilha sonora macabra, na qual o som do vento desempenha um papel crucial.

É nesse cenário que retorna Keoma (Franco Nero), um mestiço de origem indígena que esteve ausente por anos devido à Guerra Civil. Ao voltar, encontra sua cidade devastada por uma epidemia que assola o local, e Caldwell (Donald O'Brien), um tirano auxiliado pelos meio-irmãos de Keoma. Apenas seu pai (William Berger), já velho demais para lutar, e seu amigo George (Woody Strode), um antigo pistoleiro que se tornou alcoólatra, o acolhem de forma positiva. Keoma logo se vê protegendo Lisa (Olga Karlatos), uma jovem grávida, que perdeu o marido, assassinado pelos homens de Caldwell.

E Keoma surge não apenas como um libertador, mas como uma figura messiânica – sua longa cabeleira, a barba espessa e as vestes esfarrapadas reforçam essa iconografia. Ele prega a solidariedade e ajuda seus aliados, como seu pai e George, a reencontrarem sua dignidade para enfrentar o domínio de Caldwell e de seus capangas, incluindo seus meio-irmãos que sempre o rejeitaram. O enredo, ainda que familiar, é eficaz no embate moral entre Keoma e seus antagonistas, além de ressaltar a força dos oprimidos que se levantam contra a tirania, evocando tanto DJANGO quanto RIO BRAVO, de Hawks, e até mesmo a obra de Peckinpah.

Os atores são excelentes, mas a verdadeira singularidade do filme reside em sua abordagem mística, quase fantástica. Logo na introdução, Keoma encontra uma velha bruxa que reaparece ao longo da trama como uma espécie de profetisa do infortúnio. As sequências de combate são carregadas de estilização, com Castellari abusando de um slow motion dramáticos. O tiroteio perto do final está dentre os melhores da carreira do diretor. E Castellari leva a tragédia aos limites, culminando em uma cena de crucificação de Keoma, visualmente bela.

O filme também intercala inúmeros flashbacks que explicam sua relação com George, seu pai e seus irmãos, em sacadas temporais que por vezes remetem a Bergman. Detalhes que transcendem Keoma ao sublime e enfatizam sua permanência como um dos últimos, senão o último, western spaghetti digno de nota e reafirma Franco Nero como um dos maiores atores da era dourada do cinema italiano.

28.7.25

BULLITT (1968)

Não é de agora, mas há um tempo rolou a notícia de que o Spielberg talvez estivesse interessado em refilmar BULLITT com Bradley Cooper no papel título. Não sei a que pé anda essa informação e também não fui atrás pra saber. Mas lembrei disso esses dias e fiquei com vontade mesmo é de revisistar o clássico estrelado por Steve McQueen e dirigido pelo grande Peter Yates.

“Frank, we must all compromise.”
“Bullshit.”

BULLITT surgiu numa época em que um filme policial como esse ainda era possível ser relativamente inventivo e revolucionário dentro do gênero em Hollywood. E quando falo de um filme inventivo e revolucionário não tem absolutamente nada a ver com a famosa perseguição de carro, que de fato é uma das mais célebres da história do cinema. Quando falo de um filme inventivo e revolucionário está mais ligado à importância de BULLITT como influência para o cinema policial, tá mais ligado na construção narrativa do filme policial, da composição do personagem título e de certos detalhes que incluem, por exemplo, o diálogo citado acima, que marca a primeira vez que a palavra “bullshit” foi usada em um filme mainstream de Hollywood. Considere isso mais um marco na lista de conquistas de BULLITT.

O filme é um dia ou dois na vida desse policial, Frank Bullitt, vivido pelo McQueen, com os procedimentos habituais da profissão, o sujeito se metendo numa intrincada trama, envolvido no caso de uma testemunha que deveria ser protegida, mas que levou uns tiros de uns matadores profissionais, e agora tem um senador xarope (Robert Vaugh) pentelhando na sua cola, querendo se aproveitar da situação.

Mas Bullitt é um homem de carne e osso, que precisa comer e agradece a enfermeira que lhe traz um sanduíche nos corredores do hospital, o filme arruma um jeito de separar um tempinho pra mostrar o sujeito fazendo compras no mercadinho da esquina, comprando jornal, escovando os dentes, levando a namorada (Jacqueline Bisset) pra jantar...

Esse tipo de detalhe, esse cuidado, que adiciona uma camada bem-vinda de humanização e complexidade ao personagem que torna a experiência de ver BULLITT muito mais rica. Não apenas mantemos os olhos abertos para chegar ao fundo do mistério policial, mas também ficamos na esperança de descobrir outra pista sobre quem é esse tira durão e inabalável chamado Bullitt.

A atitude do homem em relação à namorada e ao seu trabalho também tem um peso narrativo, faz parte desse enriquecimento da trama e do personagem. Ele diz “isso não é pra você, querida”, enquanto ela tem um emprego que envolve criação de arte para o mundo do comércio (“custa caro ter uma alma”), algo pelo qual ele claramente não demonstra o menor interesse. E é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, ela acabe entrando em contato com o mundo dele.

Algumas falas de Bisset durante a discussão à beira da estrada são, claro, um tanto óbvias, mas o modo como Yates encena é tudo. A paisagem já não parece mais tão exuberante quanto a própria Bisset, sendo substituída por um cenário árido, enquanto a discussão do casal se dá tendo ao fundo a presença imponente do porto, o que revela o quanto do que cerca a bela cidade de São Francisco pode ser dura e opressora, e como essa feiura estava muito mais próxima dela do que jamais imaginou. E, a partir desse momento, nunca mais poderá ser vista da mesma forma.

Grande parte do filme tem uma natureza mais observacional, o que pode fazer com que passe despercebido o quão cuidadosa e controlada é, na verdade, a direção. O diretor Peter Yates está sempre mostrando exatamente o que quer que vejamos, seja ao capturar a atmosfera de São Francisco em praticamente cada plano, seja nos olhares silenciosos e calculados que os personagens trocam entre si, expressando muito mais do que qualquer diálogo poderia transmitir, como aquele olhar entre McQueen e o médico interpretado por Georg Stanford Brown, quando escutam Vaughn pedindo para que ele seja substituído. E há toques sutis como o silencioso plano, com suaves movimentos de câmera enquadrando o rosto de McQueen, enquanto ele analisa a cena do crime, pura expressão, quase dá pra ler os seus pensamentos quando a clareza do caso começa a surgir para Bullitt.

Quando o filme acelera, tudo é apresentado de forma impecável. A perseguição de um dos assassinos dentro do hospital é quase uma aula de como decupar esse tipo de sequência (o montador Frank P. Keller ganhou o Oscar pelo filme, merecidamente), e o clímax no aeroporto tem seu impacto, especialmente a perseguição à pé na pista de vôo, com o aviões em movimento bem perto dos personagens. Evidente o quanto Michael Mann se inspirou para o final de FOGO CONTRA FOGO (Heat, 1995).

E sim, a famosa perseguição de carros é realmente impressionante. Quando Steve McQueen e sua produtora se envolveram com BULLITT, fizeram questão de recrutar o diretor Peter Yates quase exclusivamente por causa da perseguição que ele havia dirigido no filme THE ROBBERY, um ano antes. E aqui o homem tava inspirado. Aquele som incessante do motor do Ford Mustang sempre ecoa na minha cabeça quando lembro. Dez minutos de pura adrenalina que poucas vezes foram superados. Quando o compositor Lalo Schifrin recebeu a sequência para musicar, ele voltou ao diretor e disse pra esquecer, porque o ronco dos motores e o atrito dos pneus no asfalto já diziam tudo. Música só atrapalharia aquele tipo de força bruta e décadas depois, Schifrin continua certo.

"Ai, mas tem um monte de erros de continuidade, aquele Fusca verde aparece repetidas vezes e blá, blá, blá."

FODA-SE!

Isso não me incomoda em nada. Essas coisas só me fazem prestar ainda mais atenção em cada plano, em cada corte eficaz, e valorizar ainda mais tudo o que o filme consegue realizar nessa sequência brutal.

A fórmula do filme policial contemporâneo ainda estava sendo desenvolvida aqui, e em certos aspectos, Chalmers (Vaughn), é mais vilão do que a pessoa que Bullitt acaba tendo que perseguir. Chalmers não é corrupto, aparentemente, apenas está mais interessado em dinheiro e poder do que em realmente buscar justiça, algo que fica claro na última ação que o vemos realizando. Ele é o tipo de figurão que consegue fazer uma oferta de sucesso e uma ameaça velada soarem exatamente da mesma forma.

Os bandidos que a polícia precisa capturar são encarados como parte natural desse mundo, mas o político por trás de tudo quer resolver o caso apenas por prestígio pessoal. E, sem entender por que um policial da classe trabalhadora não gostaria de um pouco dessa glória, ele está disposto a atrapalhar o trabalho de Bullitt de todas as formas possíveis, tudo isso enquanto anda por aí com um adesivo de “Apoie a Polícia Local” no para-choque do carro. Cabe a Bullitt concluir o trabalho, do jeito que for necessário, mesmo que, no fim, ao encarar o próprio reflexo no espelho, ele perceba que talvez nunca consiga responder qual é, de fato, o propósito desse trabalho. Pelo menos Jacqueline Bisset está por perto, dormindo no quarto ao lado, o que nos permite deixar o personagem com esse pequeno resquício de esperança.

Steve McQueen é simplesmente o cara mais cool que já existiu. Lee Marvin e Charles Bronson provaram ser mais durões, badasses. E até mais talentosos. Mas nunca chegaram perto da áurea cool de McQueen. Confiante em cada movimento que faz, vestindo aquele suéter de gola alta, e com aquele olhar que deixa claro que ele sabe exatamente o que está fazendo, mesmo quando a trama parece meio nebulosa em certos momentos.

Ele ignora Vaughn e outros superiores que querem que ele entre na linha, que não deixam fazer seu trabalho da melhor forma possível, sob os seus termos. Mas não pude deixar de notar como ele é absolutamente cortês com praticamente todas as pessoas que encontra e que não têm nada a ver com esse mundo podre em que ele trabalha. Grande desempenho de McQueen, compondo uma das representações policiais mais influentes do período e criando um paradgma de como lidar autoridades.

Jacqueline Bisset, com aquele ar provocante enquanto come cereal no café da manhã, é absolutamente encantadora. E embora tenha a cena que soa um pouco óbvia, seu carisma genuíno sempre prevalece. Voltaria a trabalhar com Yates em O FUNDO DO MAR (The Deep, 1977). Robert Vaughn está lendário aqui, trazendo um nível de escárnio de um jeito notável. E cada gesto desagradável que ele faz é um pouco fascinante. Aparecendo antes da fama, Robert Duvall tem um tempo de tela bem curto como o taxista que ajuda Bullitt a montar o quebra-cabeça do caso. Também é curioso ele estar como o quinto nome nos créditos, e sempre gostei de como ele diz: “Se cuida, tenente”, na última vez que McQueen desce do seu táxi.

Peter Yates foi, em seus melhores momentos, um diretor muito bom, que fez alguns títulos que mereciam ser mais conhecidos hoje do que realmente são. Especialmente OS AMIGOS DE EDDIE COYLE (The Friends of Eddie Coyle, 1973), que revi outro dia e que continua uma belezura. Talvez, muito provavelmente, seja o meu favorito do diretor.

No entanto, BULLITT, pelo menos pra mim, é aquele em que tudo parece ter se encaixado melhor. Um filme que ganha mais significado conforme os anos passam e eu vou entendendo um pouco mais os seus detalhes, os seus mistérios e o personagem principal. Um tipo de cinema com o qual me conecto cada vez mais à medida que tô ficando mais velho, mesmo que seja essa "cápsula do tempo", datado. Mas o que mais amo é como esse filme ainda guarda coisas novas pra eu descobrir e a cada revisão entendo melhor os motivos pelos quais o herói é como é e como ele consegue fazer as coisas funcionarem ao seu redor, apesar de todos os obstáculos.

CHARLEY VARRICK (1973)

 

CHARLEY VARRICK, ou O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA, como é conhecido no Brasil, é o filme definitivo de Don Siegel, por mais que o diretor tenha outros trabalhos que possam ser colocados como tal. Era um mestre, um artesão ao mesmo tempo um autor ao seu modo, portanto outros trabalhos podem ser definitivos dependendo do dia. No caso, o último filme do Siegel que eu revi foi CHARLEY VARRICK, então neste momento é o que eu vou eleger como o filme definitivo do Don Siegel. Os enquadramentos, a montagem, a caracterização dos atores e a construção dos personagens, a trilha sonora de Lalo Schifrin, tudo confere ao filme a essência definitiva no cinema do homem.

Dá a impressão de que não há um plano sequer em excesso. Cada cena demonstra uma precisão e concisão exemplares. Siegel não se exibe filmando, é sempre dentro de uma economia, é discreto, parece que tá completamente devotado a um objetivo nobre, de obter a essência de cada plano, de cada sequência, do melhor resultado possível no menor tempo possível. O que impressiona é que esse senso de eficiência poderia tornar o filme apenas ritmado, bem estruturado, um filme divertido, mas vazio, um passatempo. Não é o que acontece. Siegel entrega imagens muito refinadas esteticamente (vários planos externos são belamente enquadrados e fotografados), e realmente se importa com os personagens e a história que conta, aproveitando ao máximo o roteiro, os atores e cada sequência.

A trama é sobre como um dos últimos dos mavericks do assalto ao banco acaba sendo caçado por tudo o que compõe a violência americana: a sociedade, o Estado, a máfia. Charley é um pequeno empresário esforçado cujos negócios estão em declínio e sem pensar duas vezes, vira assaltante de bancos. Só que o novo golpe dá ruim: além de perder a esposa, ele ainda acaba com um problemão nas mãos. Sem saber, roubou um grande montante, desproporcional ao tamanho modesto da agência, e deduz que o dinheiro pertence à máfia. Agora, está na mira da polícia e dos mafiosos, e ainda precisa lidar com um comparsa nada inteligente (Andrew Robinson) que só pensa em torrar o dinheiro o mais rápido possível.

Diferente da maioria dos filmes de assalto, CHARLEY VARRICK não é um filme que se concentra nos planos elaborados do crime até o clímax do roubo. Ele já começa com o assalto ao banco, que desencadeia o conflito e as complicações da história. É um filme de “golpe que deu errado”. O filme gira em torno da tentativa de Varrick de sobreviver à retaliação da máfia por conta desse fruto do acaso.

Fica destacado que um dos trunfos de CHARLEY VARRICK são seus personagens, todos bem definidos, mesmo os que apareçam brevemente. Não há um só personagem, principal ou secundário, sem uma característica interessante ou cativante, todos têm uma verdadeira dimensão humana: o diretor do banco desesperado com a situação; a vizinha lasciva, apesar da idade; o armeiro deficiente físico e impiedoso nos negócios; a fotógrafa sexy e cheia de personalidade; o xerife empático e determinado; o cúmplice alcoólatra e estúpido vivido pelo Andrew Robinson, que foi o assassino em DIRTY HARRY. E temos Molly, o capanga encarregado de recuperar o dinheiro para a máfia, que merecia um filme inteiro só pra si, um desses canalhas carismáticos que amamos ver nesse tipo de filme. Joe Don Baker dá ao personagem sádico, machista e racista uma presença inegável. Com sotaque texano e roupa de cowboy, o brutamontes fumante de cachimbo tem um ar simpático e até digno, o que contrasta totalmente com o prazer que sente em torturar e matar. O tipo de sujeito que Faria Anton Chigurh, o personagem de Javier Barden em ONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ, tremer na base...

E, claro, há Charley Varrick, um daqueles personagens que Siegel tanto aprecia, um herói do velho mundo enfrentando a brutalidade do mundo moderno, recorrendo a métodos antiquados para tentar sobreviver à prisão e assassinos. Em um cenário desolado, Varrick representa um mundo que está desaparecendo. Fleumático, reflexivo, astuto, longe de alguns arquétipos do gênero. Ele nem deseja realmente todo aquele dinheiro, sobretudo quando descobre a origem. É, antes de tudo, um homem que tentou ganhar a vida à margem de grandes organizações, legais ou ilegais. Seu desejo de ficar fora de problemas é tal que sua primeira reação é tentar devolver o dinheiro do roubo à máfia. Incomum para um “herói” desse tipo de filme…

Até porque a maioria dos filmes americanos parece precisar de um “centro moral”. Se o foco está em personagens maus ou amorais, espera-se que eles recebam o que merecem no final. Quando isso não acontece, o filme precisa, pelo menos, colocar vilões contra vilões. Uma vez que o público supera a ausência de moralidade, ele pode até se envolver com o passado e as motivações dos personagens criminosos, mas geralmente ainda escolhe lados, torcendo para que certos infratores prevaleçam sobre adversários ainda piores. Charley Varrick, quase por convenção, é quem devemos apoiar. Mesmo sendo ele quem arquitetou um assalto que resultou na morte de pessoas inocentes. E passa o resto do filme tentando salvar sua própria pele. Sua principal característica é o pragmatismo. A única emoção que expressa é uma certa tristeza pela esposa morta. Apesar da vida criminosa, admiramos sua rapidez de raciocínio e astúcia. Ele não confia em ninguém e sempre está um passo à frente de todos.

Apesar da insatisfação de Matthau com o resultado final, sua atuação como Charley Varrick é notável. Não é o Matthau da comédia. Sua forma direta de agir e ausência total de vaidade criam uma confiança e autoridade peculiares, sem diminuir o senso de perigo que o cerca. Por ser um criminoso, ficamos ainda mais incertos sobre o seu destino do que estaríamos com um protagonista “honrado”.

Varrick representa, de certa forma, a figura mítica do americano apegado à sua independência e liberdade (o slogan de sua empresa é the last of the independents), mas sem cair na caricatura. E é aí que está a inteligência de um roteiro que nunca tenta idealizar o homem. Apesar de suas qualidades, ele continua sendo um assaltante de bancos que age com poucos escrúpulos e pensa, antes de tudo, em seu próprio interesse e sobrevivência. Se Varrick de fato encarna certos valores (provavelmente caros a Don Siegel), está longe de ser um símbolo imaculado. E são essas nuances e ambiguidade que dão profundidade, credibilidade e originalidade ao personagem.

É principalmente através de Varrick que passa algumas reflexões que o filme instiga, como a luta desigual entre o indivíduo e o poder, aqui representado tanto pela máfia quanto pelos “grandes grupos” que impediram o herói de prosperar como empreendedor independente. Essa valorização do indivíduo diante das grandes organizações é uma tradição de Siegel. Outro personagem que simboliza essa luta desigual é o diretor do banco roubado por Varrick. Suspeito de traição pela máfia, esse homem modesto e consciencioso (diz a John Vernon: “Não sou um homem ambicioso, as pessoas valorizam a forma como restaurei o banco. Pela primeira vez na vida, encontrei um lugar que amo.”) percebe com desespero que sua existência não tem valor para os poderosos com quem se aliou, e que ele não tem nem força nem vontade para fugir. Seu caso ilustra, assim como o de Varrick, a solidão do indivíduo que só queria uma vida tranquila, mas acaba enfrentando uma organização que o ultrapassa.

Don Siegel, ao longo de sua carreira, não tentou combater os “poderosos”; ele encontrou uma forma de fazer filmes bem vistos pelos estúdios, nos quais expressava, com humildade, discrição e moderação, suas observações e talentos como cineasta. É onde ele se conecta ao herói de CHARLEY VARRICK. É esse olhar sóbrio e humano que Siegel lança sobre os personagens e cenários, junto com o discurso sutil inserido em uma trama policial muito bem conduzida, que fazem de CHARLEY VARRICK não só um crime movie eficiente, mas um verdadeiro filme de autor. De um dos grandes que o cinema americano já teve.

27.7.25

OS AMIGOS DE EDDIE COYLE (1973)

 

Quando o filme começa, o personagem de Robert Mitchum, Eddie Coyle, já está no fim da linha, com o destino traçado. E tudo no filme respira essa vibe, um tom de desgaste. Os rostos, os diálogos, os cenários. Mitchum, em uma das atuações mais melancólicas da carreira, vive um pequeno criminoso tentando sobreviver entre informantes, policiais e bandidos. Participa de uma negociação para fornecer armas roubadas para uma quadrilha de assaltantes de banco que atua em Boston. Ao mesmo tempo, Coyle está prestes a ser condenado a alguns anos de prisão por envolvimento no desvio de uma carga e propõe a um inspetor (Richard Jordan) dedurar seu fornecedor de armas, um certo Jackie Brown (Steven Keats) esperando em troca que sua sentença seja anulada.

Peter Yates filma esse submundo sem glamour, sem pressa, sem ilusões e sem as sequências de ação que o destaca em filmes como BULLITT, que comentei aqui outro dia, e sua famosa perseguição de carros pelas ruas de São Francisco. Um filme no qual o diretor já demonstrava estilo e abordagem muito particulares que também encontramos, de certo modo, aqui em OS AMIGOS DE EDDIE COYLE (The Friends of Eddie Coyle). Uma abordagem marcada, sobretudo, pela maneira como ele trata seus personagens e mantém certa distância entre o espectador. 

Grande parte da tensão aqui é ver Mitchum chegando numa espelunca qualquer, de iluminação precária, pra comer um pedaço de torta de qualidade duvidosa e um café preto, e encontrar um contato pra contar suas histórias. Sobre como conseguiu o apelido de Eddie Fingers, quando enfiaram a sua mão numa gaveta e fecharam com um chute por conta de um erro cometido numa transação com armas. Yates filma com sobriedade e precisão, conseguindo capturar uma espécie de intensidade contida. Seu senso de enquadramento e de montagem, essa forma de deixar a ação se instalar e se desenvolver diante da câmera, permitem-lhe prender a atenção do público sem nunca recorrer a efeitos espetaculares. Até porque a ação, nos moldes tradicionais do termo, é quase inexistente por aqui. Os tiros são raros, e Yates não lhes dá dimensão dramática. Eles fazem parte, simplesmente, do cotidiano. ("This life’s hard, man", diz duas vezes o personagem Jackie Brown).

Yates se interessa de verdade por seus personagens, por suas motivações, suas histórias, seus pontos de vista e também seus mistérios. O policial vivido por McQueen em BULLITT fugia do comum; havia em sua presença uma elegância evidente, sim, mas também algo opaco, enigmático. Em OS AMIGOS DE EDDIE COYLE, isso é elevado a outro patamar. Todos os personagens são interessantes porque são quase reais, complexos, bem construídos. Nenhum é caricaturado nem idealizado, demonizado ou romantizado. São do tipo que a gente poderia encontrar na vida real, se estivéssemos naquele mesmo meio, e isso é o que mais chama a atenção: a precisão nos personagens, em como habitam os ambiente e reagem às situações.

Vale lembrar que OS AMIGOS DE EDDIE COYLE é a adaptação cinematográfica do primeiro romance publicado por George V. Higgins, escritor americano especialmente reconhecido pela qualidade e realismo de seus universos policiais. E o estilo sóbrio e contido de Yates serve perfeitamente ao romance. Assim como a forma com que ele filma cada diálogo entre os personagens, o que permite melhor perceber toda a ironia do enredo (como sugere o título do filme). Afinal, OS AMIGOS DE EDDIE COYLE deixa pouca margem para sinceridade, confiança ou amizade, e nenhum personagem está em posição de reclamar, pois todos são, à sua maneira, reflexos dessa realidade.

Se a direção tem grande peso no sucesso do filme, o trabalho dos atores é igualmente fundamental. Robert Mitchum é magistral; sua presença física sustenta o personagem sem nunca exagerar. É interessante notar o contraste entre a força natural que Mitchum emana e a relativa fraqueza desse protagonista. Sua atuação, assim como a direção de Yates, é toda feita de nuances e contenção. A grande sacada do filme é transformar esse ícone do cinema noir em um sujeito meio fracassado, casado com uma mulher não muito jovem, não muito bonita, pai de dois filhos, e pronto para entregar os próprios colegas para evitar a prisão. Porque ele precisa se apresentar em alguns dias para cumprir pena. Não uma pena de prisão perpétua, nem 30 anos. São apenas dois anos. E não por assassinato, nem por uma série de assaltos cinematográficos. Apenas por ter dirigido um caminhão carregado de bebida alcoólica contrabandeada.

Ou seja, não existe nada de heróico em sua trajetória. Nada de que ele pudesse se orgulhar, nem mesmo de forma duvidosa. Nada que o colocasse acima dos demais, como um “fora da curva”. Apesar dos longos monólogos e conselhos que vive distribuindo a quem quiser ouvir, em diálogos surpreendentes, quase tarantinescos em certos momentos, o fato é que Eddie está completamente perdido, ultrapassado pelos acontecimentos.

Aliás, todos estão. Do policial aos traficantes de armas, passando pelos assaltantes. O suspense, que é bem construído nas cenas que exige (assaltos, prisões, encontros noturnos...), surge justamente do fato de que ninguém controla nada e, portanto, tudo pode acontecer.

Ao lado de Mitchum, estão nomes como Peter Boyle, desses monstros com uma filmografia mais que respeitável: TAXI DRIVER (76), de Matin Scorsese, O JOVEM FRANKENSTEIN (74), de Mel Brooks, HARDCORE (79), de Paul Schrader, JOE (1970), de John G. Avildsen, pra ficar com alguns. Seu personagem, Dillon, parece à primeira vista uma presença quase invisível. Fica lá atrás do balcão, servindo cerveja, ouvindo conversas, trocando favores. Mas conforme o filme avança, percebemos que ele é o verdadeiro eixo oculto de várias engrenagens do submundo de Boston. Ao contrário de Eddie, que ainda carrega resquícios de um certo código e alguma ilusão de que pode escapar ileso, Dillon é um sobrevivente pragmático, alguém que já internalizou o fato de que, nesse mundo, todos são dispensáveis, inclusive os "amigos".

Visualmente, o filme é um sucesso. A precisão da montagem, os planos meticulosos de Yates e a notável fotografia de Victor J. Kemper (UM DIA DE CÃO, de Sidney Lumet) dão a OS AMIGOS DE EDDIE COYLE um forte valor estético. Nada de exibicionismo, mas que aliado à excelente direção de atores e um roteiro sólido como concreto reforça este filme policial de grande presença. E que reforça também o retrato seco e desencantado do crime como rotina miserável, onde qualquer erro custa caro. Definitivamente OS AMIGOS DE EDDIE COYLE é uma dessas joias amargas do cinema dos anos 70 que merecia mais reconhecimento.

Foi lançado no Brasil em DVD numa belíssima edição pela Versátil, no primeiro volume da caixa de Cinema Policial.

26.7.25

THE FANTASTIC FOUR (1994)

 

Os detalhes dessa história variam de fonte para fonte, mas a essência é a mesma: na metade dos anos 1980, o produtor alemão Bernd Eichinger, da Constantin Film, comprou da Marvel Comics uma opção de dez anos sobre os direitos do Quarteto Fantástico, por um valor de 250 mil dólares. Por volta de 1993, porém, esses direitos estavam prestes a expirar e, caso nenhum filme fosse concluído até uma data limite, eles simplesmente voltariam para a Marvel, sem custo algum. Então surge a pergunta: pra onde você corre quando precisa fazer um filme de super-herói em poucas semanas, com um orçamento de apenas um milhão de dólares e nada mais?

Ora, você vai até Roger Corman, é claro!

Depois que Corman fez sua mágica de sempre, com o filme produzido, dirigido por um de seus pupilos, Oley Sassone, os direitos foram oficialmente renovados. A Marvel, no entanto, não ficou nada satisfeita com o resultado do filme e, para evitar que aquilo prejudicasse a marca, comprou discretamente as poucas cópias e o negativo, impedindo assim qualquer possibilidade de lançamento nos cinemas ou em vídeo (embora alguém da indústria tenha conseguido fazer uma cópia ilícita em VHS antes disso).

Nem Roger Corman, nem o diretor Oley Sassone, tampouco o elenco ou a equipe foram consultados ou informados dessa decisão. Existiam planos reais para um pequeno lançamento nos cinemas, inclusive material de marketing e um trailer havia sido produzido com esse objetivo. Há rumores de que a Marvel mandou destruir todas as cópias e o negativo do filme.

Pouco mais de dez anos depois finalmente surgiria um filme do Quarteto Fantástico nas telas, com muito mais de tudo: grande elenco, orçamento maior, efeitos especiais bem feitos, enredo mais ambicioso, e maiores expectativas. E o resultado foi aquela porcaria de 2005 dirigido por Tim Story. Enquanto isso, cópias de baixa qualidade (feitas a partir da tal fita VHS pirata) de THE FANTASTIC FOUR começaram a circular e chegar ao olhar do público. E a dúvida se o ocultado filme de 1994 era realmente tão ruim assim pode finalmente ser respondida.

E a resposta não é tão simples quanto um "sim" ou "não". Sim, o orçamento é visivelmente apertado. Sim, é um filme exageradamente cafona, mal interpretado e com caracterizações duvidosas. Até os efeitos especiais, talvez surpreendessem alguém nos anos 50, mas na década de 90 já estavam fora de moda há um bom tempo.

No entanto, há algo estranhamente irresistível no conjunto da obra, em todos esses elementos toscos reunidos aqui, que lhe dá uma cara de quadrinho B anacrônico, que lembra aqueles seriados de aventura dos anos 40, que faz a gente se perguntar por que ele nunca chegou a ser lançado e um BATMAN & ROBIN, do Joel Schumacher, foi. O que quero dizer é o seguinte: se você analisa o filme pelo que ele realmente é (uma produção de baixíssimo orçamento assinada por Roger Corman, com tudo o que isso representa, com toda a alma de um filme B vagabundo dos anos 90) e não pelas expectativas de uma adaptação grandiosa de um clássico da Marvel como o Quarteto Fantástico, o resultado até que é bem divertido.

Um dos prováveis motivos pelos quais THE FANTASTIC FOUR não teve muito sucesso e foi retirado de cena é simples: o elenco não tinha apelo comercial. As faces mais “conhecidas” por aqui vinham de produções feitas para a TV, lançamentos direto para vídeo ou do limbo das estrelas decadentes dos anos 80, como Jay Underwood, de O GAROTO QUE PODIA VOAR (1986), que vive Johnny Storm; George Gaynes, famoso pela franquia LOUCADEMIA DE POLÍCIA, aparece por aqui como um professor qualquer.

Nos demais papéis, temos o pouco lembrado Alex Hyde-White como Reed Richards, Michael Bailey Smith como Ben Grimm, Rebecca Staab como Sue Storm e Joseph Culp interpretando Victor Von Doom. Nenhum nome de peso para atrair o grande público e, convenhamos, nada que desperte curiosidade nem entre os fãs de carteirinha dos personagens.

É basicamente um filme de origem. Começamos com dois jovens gênios universitários, Reed Richards e Victor Von Doom, tentando canalizar a energia de uma entidade misteriosa chamada Colossus, que apareceu no espaço acima da Terra. Como esperado, tudo dá errado: Doom aparentemente morre eletrocutado, e Richards vê sua carreira desmoronar. Dez anos depois, Reed está pilotando uma nave espacial numa nova tentativa de capturar a tal energia, agora acompanhado por Susan, Johnny e Ben.

Mas quando um vilão chamado The Jeweller, uma espécie de leprechaun dos esgotos, decide sabotar a missão trocando uma peça vital, a nave explode, os tripulantes são engolidos por um psicodelismo visual, atingidos por imagens de 2001 - UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, ou de algumas inserções de filmes experimentais do Stan Brakhage, e caem de volta à Terra.

Curiosamente, ninguém se machuca no acidente. Mas logo percebem que adquiriram poderes estranhos e indesejados. Reed estica o corpo, Sue fica invisível… Você já sabe como é. Só entenda que aqui tudo é feito da forma mais barata e tosca possível. Mas digo isso com um certo carinho. No fim, eles aceitam suas novas condições e decidem usá-las para enfrentar a ameaça que ronda Nova York: o sombrio e misterioso Doom. É uma trama simples, básica, e até fiel ao espírito dos quadrinhos, pelo menos no papel.

Se você já viu algum filme do Roger Corman e, se chegou até aqui, espero sinceramente que sim, sabe o que esperar: orçamento mínimo perceptível, estética camp por todos os lados e um certo charme meio vagabundo que torna tudo meio irresistível. Mas dá pra entender por que a Marvel (ou quem quer que estivesse com os direitos na época) não quis lançar isso oficialmente. Agora, destruir todas as cópias para evitar que o público veja? Aí já é demais. Confesso que isso até me faz sentir uma certa empatia pelo filme.

Mas veja bem, não vou passar pano. É o tipo de filme perfeito para uma bad movie night entre amigos, com direito a risadas, comentários sarcásticos e algum inebriante. As atuações são, na maior parte do tempo, desastrosas, em certos momentos parece que estão fazendo de propósito. Reed tem um carisma exagerado, enquanto Johnny compensa isso, porque é insuportavelmente hiperativo. Sue Richards é praticamente uma planta em cena. A grande (e única) surpresa vem do Coisa, que carrega um arco dramático bem definido, com conflitos internos e uma certa humanidade que, ironicamente, falta nos outros personagens. Sua relação com a escultora cega Alicia Masters é mal desenvolvida por aqui, mas tenta abordar o dilema entre a aparência monstruosa e a sensibilidade emocional. Em meio a tanta tosqueira, é curioso perceber que justamente o personagem mais “duro” é quem transmite emoções mais sinceras.

O filme tem seus momentos. A maquiagem do Coisa, por exemplo, lembra (de forma positiva) os trajes com expressões faciais de animatronics das Tartarugas Ninja dos anos 90. Há momentos engraçados, e até empolgantes, se você estiver com a expectativa bem baixa e muito bom humor, as duas cenas de luta em que eles derrotam um grupo armado é um destaque, com direito à pernas e braços de Reed se esticando pra socar ou fazer bandidos tropeçarem, ou o Coisa distribuindo socos à vontade. E quando Jhonny finalmente se tranforma no Tocha Humana, a coisa é tão deplorável e ridícula que é impossível resistir.

Enfim, eu gosto dessas tralhas. Filmes de super-herói feitos com troco de pão não aparecem todo dia, e THE FANTASTIC FOUR de vez em quando aparece como minha dose favorita de diversão fajuta com superpoderes. Agora que já desenterrei esse clássico alternativo, acho que tô pronto para encarar a nova versão que está nos cinemas. Não deve chegar nem perto desse aqui em termos de charme acidental, mas... quem sabe? Sem pressa, não sei quando verei. Mas vou com o coração aberto.

24.7.25

OS PROFISSIONAIS (1966)

 img89_2186_51511540

O diretor Richard Brooks vinha de um fracasso com sua adaptação de Joseph Conrad, LORD JIM, de 1965, e resolveu não correr muitos riscos no seu projeto seguinte. Embora o western na sua forma clássica estivesse em relativo declínio, estava na moda em meados dos anos 60 reunir astros de grande calibre para dividirem às telas em épicas aventuras. Dos filmes de guerra, como FUGA DO INFERNO, passando pelos "Men in a Mission", como OS CANHÕES DE NAVARONE, até os faroestes, especialmente com SETE HOMENS E UM DESTINO, a ideia de aglomerar atores de peso poderia garantir o sucesso de uma produção. E foi exatamente isso que Brooks resolveu fazer por aqui, em OS PROFISSIONAIS (The Profissionals), um western de aventura que reuniu Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Woody Strode na missão de resgatar Claudia Cardinale de um revolucinário mexicano vivido por Jack Palance e seu exército.

Sim, é como se fosse uma versão dos anos 60 de OS MERCENÁRIOS. E se você olhar para este elenco e não sentir a mínima vontade de ver OS PROFISSIONAIS, você deve ter sérios problemas... Melhor ir assistir um Wong Kar Wai ou Apichatpong Weerasethakul...

800old professionalsTHE_PROFESSIONALS-4(1)

The.Professionals.1966.576p.BluRay.x264-HANDJOB-036

Enfim, revi OS PROFISSIONAIS esta semana e continua um dos meus westerns favoritos dessa época, ficando ali meio intermediário entre a aventura divertida na tradição de SETE HOMENS E UM DESTINO ao mesmo tempo que possui uma densidade revisionista pré-MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA, que foi quando Sam Peckinpah redefiniu de vez o gênero nos EUA (algo que já vinha acontecendo gradualmente, em especial com os faroestes de Monte Hellman com Jack Nicholson, DISPARO PARA MATAR e A VINGANÇA DE UM PISTOLEIRO).

A premissa de OS PROFISSIONAIS é estruturada de maneira clássica e bastante simples. Um magnata do Texas contrata quatro experientes mercenários, cada um com uma característica especializada específica, para resgatar sua esposa sequestrada por um revolucionário mexicano, que a mantém do outro lado da fronteira. Lee Marvin vai interpretar o líder do grupo, o estrategista e especialista em armas. Burt Lancaster é experiente no manuseio de explosivos. E aqui estamos falando tanto de dinamites quanto de uma mulher fogosa (a cena que apresenta o personagem é impagável nesse sentido). Woody Strode é um atirador virtuoso com seu arco e flechas e um ótimo rastreador. E Robert Ryan é o especialista em cavalos e a consciência moral da equipe.

The.Professionals.1966.576p.BluRay.x264-HANDJOB-062

img864_7817_89564534

Apresentados os personagens e a missão, os quatro sujeitos partem para o México numa jornada cheia de perigos num cenário de desertos e os estreitos montanhosos da região. Brooks mantém o ritmo e a ação firme para deixar as coisas mais animadas. A sequência do resgate da moça, especificamente, é um espetáculo à parte, com Woody Strode atirando flechas explosivas. Enfim, a sequência é um prodígio de pirotecnia. Depois vem a peregrinação de volta para os EUA em meio a uma reviravolta que coloca uma grande interrogação na cabeça dos nossos heróis... Considerando o contexto e o período no qual OS PROFISSIONAIS foi feito, fica óbvio o subtexto sobre a guerra do Vietnã: uma unidade de combate selecionada enviada para outro país por razões problemáticas questionando seus motivos.

800 professionalslg professionals snapshot20080710092822

img838_8160_86912700

Embora seja evidente que os protagonistas da trama sejam Marvin e Lancaster, os únicos que possuem um pano de fundo, um histórico que envolve outras lutas armadas durante a revolução mexicana, é preciso destacar como Woody Strode recebe igual importância no grupo, o que já é notável para um ator negro da época no meio do elenco formado por brancos em uma produção de grande estúdio. O mesmo não dá pra dizer sobre a equipe de marketing da Columbia, que não colocou seu nome nas artes de divulgação do filme...

MV5BNDJmYWFkN2EtODU2Ni00ZDZiLTgwMGQtYmFjNzc3MGIwMWM2XkEyXkFqcGdeQXVyNzM0MTUwNTY@._V1_

O restante do elenco é fenomenal. Jack Palance, como já mencionei, surge em cena como um mexicano, queimado de sol e bigodudo. E está incrível como sempre. Eleva o seu personagem imbuindo-o de dignidade, evitando qualquer clichê maniqueista óbvio. O dramático reencontro entre Lancaster e Palance, depois de um longo tiroteio para atrasar o bando do mexicano, um jogo de gato e rato entre as rochas que é um dos grandes momentos do filme, demonstra porque Palance (e Lancaster, numa performance física impressionante) foi um dos maiores de todos os tempos. Cardinale é outro caso interessante. Sua beleza descomunal chama a atenção, mas Brooks não a utiliza como mero colírio sexual (embora haja umas ceninhas bem calientes pra época). Sua personagem é provavelmente a mais forte do filme, lutando pelo homem que ama e pela causa em que acredita. E o rico rancheiro que financia a missão é retratado perversamente por Ralph Bellamy.

The.Professionals.1966.576p.BluRay.x264-HANDJOB-139

800brd professionalslgbrd professionals 13124-4th

A direção de Brooks não chega nem a ser um primor, mas é de uma competencia, de uma secura, coerente com o material que filma e com a jornada desses indivíduos. Com bom senso de tensão e aventura. Não é a toa que o sujeito foi indicado ao Oscar de melhor diretor naquele ano (e também de roteiro). Adiciona-se ainda a luxuosa fotografia de Conrad Hall (que também foi indicado por seu trabalho), a trilha sonora de Maurice Jarre, uma tonelada de diálogos incríveis e OS PROFISSIONAIS se torna um filme que eu admiro cada vez mais sempre que revejo.

The.Professionals.1966.576p.BluRay.x264-HANDJOB-032

Uma curiosidade: na época do lançamento, o sucesso do filme levou o estúdio a considerar uma sequência, mas com a condição de que todos os quatro atores principais estivessem envolvidos. Não queria correr riscos por causa do fiasco em torno da sequência de SETE HOMENS E UM DESTINO, no qual apenas Yul Brynner havia retornado. No entanto, durante muito tempo a agenda dos atores nunca batia para que a coisa acontecesse... Quando finalmente as agendas casaram, a saúde de Robert Ryan (devido ao câncer de pulmão) tornou impossível pra ele realizar o trabalho físico necessário para o filme. Após sua morte em 1973, qualquer plano para uma sequência de OS PROFISSIONAIS foi descartado.

22.7.25

MILANO ODIA: LA POLIZIA NON PUÒ SPARARE (1974)

As tendências do cinema na Itália do início dos anos 70 acabaram levando o diretor Umberto Lenzi a experimentar o Euro Crime, ou o Polizieschi, que é o cinema policial italiano, deixando de lado os outrora bem-sucedidos giallo e os outros dos mais variados gêneros que Lenzi trabalhou desde o início dos anos 60.

E vale ressaltar o termo polizieschi, porque se forem procurar na internet e outras fontes sobre o gênero, vão se deparar com um vasto material usando o termo poliziotteschi. E que na verdade é uma designação imprópria. Os diretores detestam essa alcunha, o próprio Enzo G. Castellari me disse quando estive com ele no Fundão, em Portugal, que é uma denominação ridícula. E há essa entrevista com o Lenzi que ele comenta sobre o assunto:

Não me faça muitas perguntas. Leva dois dias pra falar sobre todos os meus filmes. Vamos fazer algo curto, dos anos setenta em diante.

Ah, ok... O que mais me interessaria seria falar sobre seus filmes de ação, os poliziotteschi.
Filme policial, basta. Poliziotteschi é uma estupidez inventada pelos críticos. É uma palavra que nem sequer existe.

Sendo assim, voltemos nossas atenções ao poliziesco MILANO ODIA: LA POLIZIA NON PUÒ SPARARE. A incursão de Lenzi nesse universo do cinema policial começa com MILANO ROVENTE (1973), que foi considerado uma estreia imperfeita, mas aceitável no novo gênero. Eu nunca assisti. Então Lenzi procurou o consagrado roteirista Ernesto Gastaldi, que elaborou uma história simples, mas altamente eficaz, para sua segunda investida no gênero, que foi este filme aqui.

A trama de MILANO ODIA gira em torno de um criminoso de baixo escalão com delírios de grandeza e um plano de sequestro envolvendo uma herdeira rica. O único problema é que ele é um maluco instável, viciado em pílulas, com transtorno de personalidade e um tique facial crônico. Assumindo com gosto o papel desse sociopata que se chama Giulio Sacchi, está o ator cubano Tomas Milian, cujo histórico de papéis em spaghetti western havia secado no início da década, talvez um dos motivos pelos quais ele aceitou um personagem que muitos outros protagonistas recusariam por medo de manchar a própria imagem. Defendendo a necessidade de dar realismo ao papel, Milian, fiel à sua formação em atuação de método, chegava a se embriagar nas filmagens quando julgava necessário. O resultado da sua atuação é um troço absurdo.

Do outro lado temos Walter Grandi, aquele tipo de policial que é a face da lei em um mundo já deformado. Interpretado com frieza impenetrável por Henry Silva, seu personagem opera pelo desencanto e o niilismo do policial italiano do que como símbolo de justiça. Se Miliam como Sacchi é a personificação do caos e da pulsão assassina, Silva faz de Grandi um homem que, embora nominalmente "do lado certo", não representa exatamente um polo oposto, apenas outro tipo de violência, mais contida, mas não menos implacável.

Grandi não é um herói clássico. Ele é seco, pragmático, movido por uma raiva silenciosa que o aproxima perigosamente do criminoso que persegue. Sua rigidez moral não impede que atue fora dos protocolos, nem que se envolva em ações que beiram o vigilantismo. E é justamente essa ambiguidade que faz dele uma figura fascinante: ele não se opõe a Giulio Sacchi em termos éticos, mas sim como força que precisa restabelecer um mínimo de ordem em meio à anarquia. Grandi é a lei sem redenção, e MILANO ODIA o usa para reforçar uma visão desencantada das instituições. Quando o criminoso é um animal fora de controle, o policial precisa agir como predador.

O confronto entre os dois personagens, Sacchi e Grandi, não é só narrativo, mas também simbólico: são dois lados de uma mesma moeda, onde o verniz de civilidade é cada vez mais tênue. No final, o que resta em Grandi é o gesto solitário de quem sabe que venceu, mas sem nenhuma glória. Só acho uma pena o personagem do Henry Silva ser tão passivo na maior parte do tempo, Lenzi aproveita mal sua presença aqui, e o personagem só entra de fato mesmo na trama lá pelas tantas.

Mas nada que atrapalhe a experiência. Na seara dos polizieschi, é bem provável que seja o melhor trabalho de Lenzi no gênero. MILANO ODIA faz jus à sua reputação: há uma perseguição de carros a toda velocidade no início que é ao mesmo tempo grosseira e belo; tiroteios de metralhadora, mulheres nuas e momentos realmente perturbadores (como a sequência que o trio liderado por Sacchi invade o casarão burgês e um refém sendo forçado, sob a mira de uma arma, a realizar sexo oral em Sacchi, por exemplo).

A combinação explosiva de Lenzi e Milian fora de controle criou um verdadeiro clássico do Poliziesco. O realismo maníaco da performance de Milian, aliado à violência crua e direta de Lenzi, resultam em um filme essencial, especialmente para quem estaria começando a explorar o gênero. É evidente que há um certo exagero injustificado no manejo de Lenzi em conduzir as coisas, principalmente o uso da violência, que afasta um determinado público. E até consigo perceber. MILANO ODIA se torna um exploitation dos mais vagabundos, apelativos e picaretas em alguns momentos, como a já citada sequência no casarão burguês. Mas ao mesmo tempo, é um filme tão agressivo, safado, baixo, torpe, que a coisa dá a volta e acaba me gerando certo fascínio.

É um filme sujo, raivoso e sem freio, mais uma vez reforço a presença de um Milian insano, que parece não distinguir o bem e o mal, e o pratica só pelo prazer do caos. Cuja crueldade gratuita revela um mundo sem ordem ou valores, onde o mal já não precisa de justificativa. O que resulta num exemplar que é uma avalanche de violência, sadismo e um certo niilismo, onde a polícia não não consegue fazer nada e a cidade virou um campo de guerra. No dia em que eu falar que isso aqui não é um filmaço, podem me internar.

Também conta com uma das trilhas mais marcantes de Ennio Morricone para o gênero. Fora dos faroestes que o consagraram, MILANO ODIA se destaca como uma de suas melhores composições (ao lado de REVOLVER, de Sergio Sollima), e sua música aumenta a tensão e se encaixa perfeitamente ao clima do filme.

Pra finalizar este post, mais um trecho da entrevista com o Lenzi, que resume bem tanto a agressividade de MILANO ODIA quanto da própria personalidade desse grande diretor do cinema popular italiano.

Era baseado em fatos reais?
Era baseado na violência que havia em nossas cidades nos anos 70, quando você podia assaltar um banco e a polícia não tinha meios de reação. Tudo era possível. Você podia fazer o que quisesse. Alguém podia simplesmente entrar num banco vestindo terno e com uma metralhadora por baixo. Essa situação não existe mais. Hoje há seguranças armados na porta. Os bancos não eram adequadamente protegidos como são agora. Além disso, os gângsteres de Marselha importaram um sistema de sequestro de reféns para facilitar a fuga.

Seus filmes são bastante violentos. Em Milano Odia, por exemplo, há uma cena...
[Sarcasmo:] Sim, é o filme mais violento da história do cinema italiano. E daí? Vamos falar de outro filme.

Mas... tipo, o personagem principal...
Ele é louco. É um paranoico. Mata muita gente porque não entende a diferença entre o bem e o mal. Mas o filme foi um sucesso extraordinário nos cinemas. Todo mundo sabe que é o filme mais violento de todos.

Qual foi o segredo do sucesso?
Não sei. Não sei. O fato de você ter um personagem forte em um filme mais ou menos violento. Esse personagem, o protagonista, é forte. É isso que o público que ia ao cinema queria ver.

Foi lançado em DVD na caixa Euro Crime Volume 1, com o título QUASE HUMANO