Já estava de olho em DRIVE desde que saíram as primeiras notícias de que o dinamarquês Nicolas Winding Refn trabalharia em solo americano e seria responsável por um “car chase movie” na linha deste aqui. Embora ainda não tivesse feito nada exatamente dentro do gênero ação, os filmes anteriores de Refn serviam não apenas para colocá-lo entre os diretores de ponta da sua geração, como também davam indícios do que o sujeito seria capaz com um material desses em mãos. Logo, veio o prêmio de melhor direção no festival de Cannes e, com isso, a ansiedade com que DRIVE era aguardado estava justificada. O meu prognóstico super otimista foi ultrapassado esta semana, quando assisti a este filme antológico, que já está no topo dos meus favoritos de 2011.
Uma das melhores coisas é Ryan Gosling, até porque eu tinha minhas dúvidas se o ator poderia mesmo se passar de anti herói badass que aparentemente seu papel exigia. Mas o cara convence fácil! Taciturno na maior parte do tempo e brutal quando precisa ser, não fica longe, no aspecto “casca grossa”, de um Michael Caine em GET CARTER, Steve McQueen em OS IMPLACÁVEIS, ou Lee Marvin em POINT BLANK. Gosling é boa pinta, mas conseguiu encontrar uma maneira de utilizar suas feições como uma máscara de pedra - e um palito de dente no canto da boca ajuda - para dar um ar impassivo, expressivamente inexpressivo. E é um grande personagem, sempre calmo e caladão, um ás no volante, dublê de filmes em cenas perigosas envolvendo carros e, quando lhe apetece, motorista de fuga para assaltantes.
O elenco ainda possui Bryan Cranston, de BREAKING BAD, que vive uma espécie de mentor para Gosling… não que ele precise, mas apenas o tolera como tal. Ron Perlman, excelente, surge como um gangster sádico e Albert Brooks, geralmente associado a filmes mais leves, surpreende como um mafioso sanguinolento carniceiro, parceiro de Perlman. O lado feminino tem a musa ruiva, Christina Hendricks, que poderia se passar como a femme fatale que balança o coração do protagonista, mas este só tem olhos para a sua vizinha, Carey Mulligan, que está muito bem. O dois dividem o elevador, ele a vê no supermercado com o filho, pequenas situações que fazem surgir uma relação interessante, até descobrir que ela é casada com um cara prestes a sair da prisão...e paro por aqui com a história.
Mas posso garantir que não vão faltar sequências de perseguições que são verdadeiras aulas de tensão, especialmente a cena de abertura, que é uma obra prima! Todas elas demonstram com precisão as habilidades e inteligência do protagonista, que se mantém com a face de pedra, mesmo sob pressão extrema. Mas em momento algum DRIVE se transforma num exemplar de ação convencional, então não esperem nada muito alucinante em termos de ação. O filme é todo construído num ritmo extremamente lento, praticamente sem climax, silencioso, atmosférico… um primor! O Refn dirigiu VALHALLA RISING, então vocês sabem o que esperar. Há uma cena que vai da mais pura sensibilidade e ternura ao extremo da violência gráfica em questão de segundos, mas tudo é preparado com um absurdo trabalho temporal, segurando a tensão ao máximo.
DRIVE faz parte de uma categoria incomum do gênero, uma espécie de “arthouse de ação”, e aí podemos incluir um GHOST DOG, de Jim Jarmusch, alguns filmes do Takeshi Kitano, por exemplo, pra vocês terem uma noção do que eu quero dizer. É também uma ode a determinado cinema dos anos 70 e 80, com uns certos toques estilísticos que acentuam esse aspecto, como a fonte neón cor de rosa dos créditos iniciais e a belíssima trilha sonora de música eletrônica e vocais femininos que ecoa onde menos se espera. Um neo noir que remete à TAXI DRIVER, de Martin Scorsese, THE DRIVER, de Walter Hill e até THIEF, de Michael Mann.
Particularmente, acho bacana apontar esse universo de referência reciclável, mas o mais legal é notar, apesar de tudo, como DRIVE é peculiar. A princípio, Neil Marshall era cotado para comandar o filme. Eu até gosto de algumas coisas do britânico, mas ele e o Refn são diretores de propostas totalmente diferentes e, convenhamos, a história que é pra lá de batida, resultaria em nada além de um genérico filme de ação barulhento nas mãos do Marshall. Definitivamente não chegaria nem perto do que Refn desenvolve por aqui, e não estou dizendo que um é melhor que o outro, mas o fato é que Refn o fez com uma força detalhística e cinematográfica impressionante, com grande estilo, classudo, atmosférico, contemplativo, fascinante e é só isso que importa. Espero ansiosamente agora pra vê-lo lançado nos cinemas daqui. Faço questão de rever na telona.